O dia 30 de novembro de 1979 é uma data que carrega um peso significativo na história recente de Santa Catarina e do Brasil, pois foi nesse dia que ocorreu o episódio conhecido como *Novembrada*, uma crise política que mudou a dinâmica da política local e nacional, além de impactar de maneira duradoura a imagem do governo federal e do governo de Santa Catarina.
A Novembrada foi desencadeada durante a visita do presidente João Figueiredo à Florianópolis, que iniciava sua gestão com o desafio de implementar uma nova estratégia de comunicação popular, proposta por seu ministro Said Farhat. O objetivo era aproximar o governo federal da população, utilizando a imagem de Figueiredo como um “presidente do povo”, com o presidente realizando visitas a pontos populares nas cidades visitadas, incluindo centros históricos. No entanto, o que se desenrolou em Florianópolis naquele 30 de novembro foi bem diferente da imagem planejada.
O Contexto Político e a Revolta Estudantil
Naquele momento, o regime militar estava em crise. O esgotamento das suas estruturas e o crescente movimento por redemocratização em diversas partes do Brasil estavam pressionando a ditadura militar. Entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), além de sindicatos e movimentos estudantis, lideravam a luta pela revogação das leis autoritárias e pela abertura política.
A visita de Figueiredo a Florianópolis, no entanto, não foi bem recebida pela população local, especialmente pelos estudantes. Eles protestavam contra a repressão militar e, em particular, contra a decisão de não atender a uma das maiores demandas de Santa Catarina: a instalação da usina siderúrgica Sidersul no Estado. A medida foi vista como um descaso com as necessidades da população e uma falta de compromisso do governo federal com o desenvolvimento local.
A tensão aumentou ainda mais quando Figueiredo, em um gesto controverso, fez um sinal com as mãos que foi interpretado como obsceno pelos manifestantes, provocando uma reação agressiva. “Xingaram minha mãe! Bornhausen, você é testemunha para a história”, bradou Figueiredo, descontrolado, enquanto se dirigia à escadaria do Palácio Cruz e Sousa, buscando enfrentar os estudantes “na porrada”, como ele próprio disse.
O Impacto da Novembrada e a Reação de Bornhausen
O governador de Santa Catarina, Jorge Bornhausen, que acompanhava Figueiredo na visita, tentou minimizar a crise, sugerindo que a comitiva seguisse diretamente para a cidade de Palhoça, onde um almoço para 2.000 pessoas estava programado. No entanto, Figueiredo insistiu em continuar o programa e seguiu para o Ponto Chic, um tradicional ponto de encontro no centro de Florianópolis, onde a situação se agravou com confrontos violentos entre manifestantes e as forças de segurança, incluindo a cavalaria da Polícia Militar.
O incidente ganhou dimensões nacionais quando Figueiredo determinou a prisão de sete estudantes envolvidos nos protestos e seu enquadramento na Lei de Segurança Nacional, uma decisão que causou indignação em diversos setores da sociedade e que gerou novos protestos. O caso dos estudantes presos se arrastou até fevereiro de 1980, quando, após 67 dias de mobilização e pressão política, os jovens foram absolvidos por 3 votos a 2, no julgamento realizado em Curitiba.
Os estudantes, entre eles líderes do movimento estudantil como Adolfo Luiz Dias, presidente do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), foram defendidos por renomados advogados e receberam apoio de importantes figuras políticas, como os senadores Jaison Barreto (SC), Franco Montoro (SP) e José Richa (PR). O episódio, que ficou marcado por sua repercussão política e social, se tornou um dos marcos na luta pela redemocratização do Brasil.
A Queda de Popularidade de Jorge Bornhausen
Embora o governador Jorge Bornhausen tivesse se esforçado para conter a crise, a *Novembrada* teve sérios efeitos na sua imagem e na popularidade de seu governo. O incidente e o subsequente confronto político resultaram em uma queda significativa de sua popularidade, a ponto de perder até mesmo para figuras notórias como Paulo Maluf em alguns índices de aprovação. O episódio também afetou a imagem de Figueiredo, que decidiu suspender as visitas populares após o ocorrido.
Apesar do desgaste político, Bornhausen conseguiu se reerguer politicamente nos anos seguintes. Três anos após a *Novembrada*, ele conquistou uma vitória importante, sendo eleito senador pelo voto popular. Além disso, desempenhou um papel fundamental na eleição de seu secretário Esperidião Amin como governador de Santa Catarina, embora com uma ausência simbólica, já que Bornhausen estava em Nova York, acompanhando o tratamento do filho com leucemia.
O Legado da Novembrada
Decorridos mais de 45 anos desde os eventos de 30 de novembro de 1979, a *Novembrada* permanece como um dos episódios mais emblemáticos da história política de Santa Catarina e do Brasil. Para o ex-governador Jorge Bornhausen, que relutou em comentar mais profundamente sobre o episódio, o episódio foi um ponto de virada na política local e nacional. Segundo ele, a crise não se limitou àquele dia de novembro, mas se arrastou por meses, agravada pela prisão dos sete estudantes e pelos desdobramentos na frente da Catedral Metropolitana, que resultaram em novas manifestações de repúdio ao governo militar.
A *Novembrada* também é um marco no processo de redemocratização do Brasil, e serve como lembrança dos limites impostos pela repressão e da resistência das juventudes e movimentos sociais em lutar pela liberdade e pela justiça.
Como descreve o jornalista Luiz Gutemberg em sua biografia de Bornhausen, “Quem é Jorge Bornhausen: Uma Biografia”, e no livro de José Carlos Dias “Novembrada, um Relato da Revolta Popular”, a história daquele dia está repleta de tensões políticas, disputas de poder e gestos impensados, que marcaram um dos momentos mais difíceis e decisivos para a política catarinense e brasileira.
O legado da Novembrada é, sem dúvida, uma lembrança da luta pela democracia e da resistência contra a opressão, um capítulo importante na história de Santa Catarina e do Brasil.
