A espera de milhões de venezuelanos por um resultado declarado pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE) terminou pouco depois da meia-noite de segunda-feira (29), no horário local, na Venezuela.
O presidente da autoridade eleitoral venezuelana, Elvis Amoroso, declarou o presidente Nicolás Maduro o vencedor da disputa com 5.150.092 de votos, ou 51,20% do total, à frente do adversário Edmundo González Urrutia, com 4.445.978 de votos, ou 44,2%, com 80% das mesas de votação apuradas. Amoroso afirmou que o resultado era irreversível.
Contra todas as probabilidades e a maioria das pesquisas de opinião, Maduro garantiu um terceiro mandato, que pode torná-lo a pessoa há mais tempo no cargo de presidente da Venezuela na história moderna do país.
Na cerimônia em que foi oficialmente proclamado como presidente eleito, Maduro acusou os opositores e a “extrema direita” no exterior de tentarem desestabilizar o país.
“Não é a primeira vez que enfrentamos o que enfrentamos hoje. Está sendo feita uma tentativa de impor um golpe de Estado na Venezuela, novamente. De natureza fascista e contrarrevolucionária”, disse Maduro, apontando que estariam em curso os “primeiros passos” para desestabilizar o país.
“Os mesmos países que hoje questionam o processo eleitoral venezuelano, a mesma extrema direita fascista… foram os que quiseram tentar impor ao povo da Venezuela, acima da Constituição, um presidente espúrio, usando as instituições do país”, disse ele, em alusão à autoproclamação como presidente interino do deputado Juan Guaidó, em 2019.
“Uma espécie de Guaidó 2.0”, continuou Maduro.
O chavismo, corrente política liderada hoje por parte Maduro, sempre pareceu convencido da vitória.
Jorge Rodriguez, diretor de campanha de Maduro, sugeriu algumas horas antes do anúncio dos resultados que a soma dos votos seria favorável ao chavismo.
“A violência falhou, o ódio falhou. O amor ganhou, a independência ganhou, a soberania da Venezuela ganhou e a paz ganhou”, afirmou Rodriguez.
O filho de Maduro, Nicolás Maduro Guerra, também sugeriu uma vitória do pai antes dos resultados oficiais.
“As pesquisas expressam o que a rua já disse durante todos esses meses de campanha. Vitória do povo venezuelano, feliz aniversário, comandante Chávez!”, disse ele na rede social X, referindo-se à data de nascimento do fundador do chavismo (28/7).
Maduro também já havia dito em fevereiro que iria vencer “por bem ou por mal”.
No entanto, com uma oposição convencida de que ganhou as eleições e apoiada pelas pesquisas de opinião, a situação política no país está se distanciando ainda mais da estabilidade.
“É um anúncio que gera grande frustração na oposição, já que chegaram às eleições com grande entusiasmo”, diz o cientista político Eduardo Valero, professor de estudos políticos da Universidade Central da Venezuela, à BBC News Mundo, serviço de notícias em espanhol da BBC.
Política de oposição impedida pelo CNE de concorrer à presidência, María Corina Machado afirmou na noite de segunda-feira, ao lado do candidato Edmundo González Urrutia, ter em mãos dados suficientes para comprovar a vitória dele sobre Maduro.
Segundo Machado, González Urrutia teria recebido 6,27 milhões de votos, enquanto Maduro teria tido 2,75 milhões. De acordo com ela, a oposição teria em seu poder 73,2% das atas de votação (algo como o boletim de urna no Brasil).
“Com as atas que nos faltam, mesmo que o CNE tenha dado 100% dos votos a Maduro, não alcançaria o que já temos. A diferença foi tão grande, tão grande, avassaladora, em todos os Estados da Venezuela, em todos os estratos, em todos os setores… Ganhamos”, disse Machado.
Ela convocou apoiadores da oposição a manifestarem pacificamente na manhã desta terça (30).
A BBC News Mundo (serviço em espanhol da BBC) analisa três cenários possíveis na Venezuela após o anúncio da vitória de Nicolás Maduro.
1. Protestos
Poucos minutos depois do anúncio dos resultados, começaram fortes batidas de panelas e frigideiras em vários setores do leste da capital, Caracas, em protesto.
“Fraude!” foi uma das coisas que alguns moradores do bairro de Altamira gritaram.
Para muitos opositores, as eleições não terminaram com o anúncio da CNE.
Na noite de segunda, milhares de pessoas se dirigiram ao centro de Caracas para protestar — algumas caminhando por quilômetros ao sair de favelas nas montanhas que cercam a cidade.
Em repressão aos protestos, forças de segurança dispararam gás lacrimogêneo e balas de borracha.
Muitos analistas políticos antecipam um período de protestos no país por conta do resultado anunciado pelo CNE.
O cientista político Eduardo Valero prevê que isso desencadeará um descontentamento popular e repressão por parte das autoridades.
“A questão é saber se o governo está disposto a assumir os custos de mais repressão. Irá assumir o custo de prender aqueles que decidirem não respeitar os resultados?”, questiona Valero.
No entanto, ele acredita que os protestos dependerão da força da reação da oposição a este anúncio e se ela pedirá às pessoas que saiam em massa às ruas.
Vários líderes mundiais têm pedido que Maduro respeite os resultados eleitorais, algo que muitos interpretaram como medo de uma possível manipulação.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), embora não tenha se pronunciado após os resultados anunciados, disse em entrevista coletiva na semana passada que Maduro precisava “aprender que, quando você vence, você fica, quando você perde, você sai”.
“Fiquei assustado com os comentários de Maduro de que a Venezuela poderia enfrentar um banho de sangue se perder”, acrescentou Lula, referindo-se a declarações anteriores feitas pelo presidente venezuelano.
Por sua vez, o governo de Gabriel Boric, presidente do Chile, instou as instituições venezuelanas, em um comunicado publicado pouco antes do anúncio da CNE, a respeitarem a “vontade soberana do povo de decidir o seu destino”.
Quando a CNE divulgou os resultados que declararam Maduro como vencedor, Boric disse que não acreditava neles.
“O regime de Maduro deve compreender que os resultados que publica são difíceis de acreditar. A comunidade internacional e especialmente o povo venezuelano, incluindo os milhões de venezuelanos no exílio, exigem total transparência das atas e do processo, e que observadores internacionais não comprometidos com o governo prestem contas pela veracidade dos resultados. O Chile não reconhecerá nenhum resultado que não seja verificável”, escreveu na rede social X.
Valero afirma que o chavismo se beneficiou do fato de a economia do país ter mantido um crescimento próximo a 5% do Produto Interno Bruto nos últimos dois anos, mas o futuro do crescimento sustentado dependerá do reconhecimento ou não de Maduro no cenário internacional.
“Num contexto latino-americano, é muito provável que a maioria dos líderes latino-americanos se unam contra Maduro, tendo como interlocutores Lula e (o presidente da Colômbia, Gustavo) Petro, que parecem ter capacidade de comunicação com Maduro”, afirma Valero.
Funcionários do governo do EUA indicaram que sua política de sanções à Venezuela dependeria do desenvolvimento das eleições, salientando que Washington poderia aliviá-las se a eleição fosse limpa.
Depois de a CNE ter anunciado a vitória de Maduro, o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, expressou “sérias preocupações” de que “os resultados anunciados não reflitam a vontade ou os votos do povo venezuelano.”
“A comunidade internacional está observando isso de perto e responderá de acordo”, disse Blinken.
3. Aumento da migração
Segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), 7,7 milhões de venezuelanos deixaram o país em busca de uma vida melhor. A grande maioria saiu nos últimos anos devido a uma grande crise econômica que deixou milhões de pessoas na pobreza.
O número de emigrantes diminuiu nos últimos meses, e alguns dos que partiram chegaram a voltar ao país.
Agora há receios de que o anúncio da CNE possa intensificar mais uma vez esta onda migratória.
Uma pesquisa realizada pela Meganalisis e publicada em abril indica que pelo menos 44,6% da população venezuelana consideraria emigrar se Maduro ganhasse um terceiro mandato presidencial.
Outra pesquisa recente da ORC Consultores revelou que mais de 18% dos entrevistados planejariam migrar do país antes do final do ano após uma vitória de Maduro.
O cientista político Valero diz acreditar que o êxodo não será muito maior porque hoje o mundo está mais instável do que há uma década e, com várias nações em guerra, há “uma maior consciência de que a vida no exterior não é tão fácil”.
bbcnews.com