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Como a Boeing deve ser punida, após admitir culpa em quedas que mataram 346 pessoas

 

 

A Boeing é uma das maiores e mais importantes companhias dos Estados Unidos. Poderia-se dizer que é grande demais para quebrar. Mas será que também é grande demais para ser responsabilizada?

A empresa é uma das duas principais fabricantes mundiais de aviões comerciais de grande porte. Está entre os cinco principais fornecedores da área de defesa americana.

Sozinha, a companhia emprega mais de 170 mil pessoas no mundo todo, sendo que 150 mil somente nos Estados Unidos, e gerou receitas da ordem de quase US$ 78 bilhões no ano passado. A empresa representa uma contribuição vital para a economia americana.

Mas seu compromisso com a segurança tem sido repetidamente questionado. Mais recentemente, no início deste ano, quando uma porta foi ejetada de um Boeing 737 Max minutos após a descolagem porque não tinha sido parafusada.

Desde então, funcionários fizeram uma série de denúncias sobre supostas práticas que colocam em risco a segurança nas fábricas da Boeing, assim como nas do seu principal fornecedor, a Spirit Aerosystems.

O Departamento de Justiça americano deu agora sua resposta. A Boeing decidiu entrar em um acordo, sob o qual vai se declarar culpada de uma acusação criminal existente, pagar US$ 243,6 milhões e se submeter a um monitoramento independente por três anos.

Enquanto crescem os pedidos para uma mudança fundamental na cultura corporativa da Boeing, o acordo provavelmente vai ser altamente controverso.

Isso acontece, em grande parte, porque as falhas de segurança na empresa estão longe de ser novidade — ao mesmo tempo que as tentativas de resolvê-las parecem ter sido fracassadas.

Os críticos dizem que a empresa não levou seus problemas a sério, e que os órgãos reguladores, intimidados pela importância da companhia, não estão tomando as medidas necessárias para forçar a Boeing a consertar seus problemas.

Há cinco anos, a Boeing estava na berlinda: em poucos meses de intervalo, 346 pessoas morreram em dois acidentes praticamente idênticos envolvendo seu novo 737 Max.

Foi descoberto então que etapas haviam sido puladas no design da aeronave, e os reguladores haviam sido enganados. Após o primeiro acidente, a aeronave foi autorizada a continuar voando, apesar do problema conhecido.

A Boeing foi acusada de colocar os lucros à frente da segurança dos passageiros. Em 2021, concordou em pagar um acordo de US$ 2,5 bilhões, evitando assim ser processada por uma acusação de conspiração por fraude criminal.

O Departamento de Justiça concluiu agora que a empresa violou os termos desse acordo ao não implementar e aplicar um programa de conformidade e ética adequado. A companhia foi então processada, agora sob a acusação criminal original, por fraude criminal.

Dave Calhoun é um homem branco e careca, vestido com uma camisa azul, gravata roxa e terno azul marinho. Está sentado em uma mesa, no primeiro plano da imagem, olhando para baixo e espremendo a boca. Atrás deles, algumas pessoas sentadas, todas vestidas de terno, gravata e roupas formais. Mais ao fundo da foto, pessoas seguram cartazes com fotos de seus parentes que morreram em um acidente áreo da Boeing.

CRÉDITO,GETTY IMAGES

Legenda da foto,O CEO da Boeing, Dave Calhoun, foi questionado por um subcomitê do Senado no mês passado

Mas os familiares de muitos dos mortos nos acidentes consideram que o novo acordo é brando demais e pedem uma penalidade muito mais severa.

Numa carta enviada aos procuradores no mês passado, o seu advogado Paul Cassell pediu uma multa de mais de US$ 24 bilhões em reconhecimento do que descreveu como “o crime corporativo mais mortífero da história dos Estados Unidos”.

Ele também pediu que indivíduos fossem processados, incluindo o ex-presidente-executivo, Dennis Muilenburg.

Os legisladores em Washington também expressaram preocupação com o fato de a Boeing ser considerada “importante demais” para ser totalmente responsabilizada.

Numa audiência em abril, o senador republicano Ron Johnson disse temer que os reguladores estivessem preocupados em prejudicar uma empresa tão importante para a economia dos Estados Unidos.

“Não queremos pensar que existem questões nestes aviões que deveriam forçar os reguladores a tirar de circulação essas aeronaves – e nem pensar o que isso causaria na nossa economia e na vida das pessoas”, afirmou. “Acho que é isso que está provocando a falta de responsabilização.”

Analistas disseram que não há dúvidas de que o fato de a Boeing ser uma grande contratante das forças armadas dos Estados Unidos é um fator-chave na decisão de que medidas tomar contra a empresa.

Só em 2022, a empresa acumulou mais de US$ 14 bilhões em contratos com o Departamento de Defesa dos EUA.

“Isso pode ser o mais importante. Não em relação aos termos diretos do processo, mas sim às negociações sobre uma possível exclusão ou suspensão de contratação [da Boeing]”, disse o professor Brandon Garrett, da Faculdade de Direito da Universidade Duke, que acompanha os processos corporativos.

Imagem da frente de um avião verde, com o bico aberto para manutenção.

CRÉDITO,GETTY IMAGES

Legenda da foto,A Boeing gerou receitas de quase US$ 78 bilhões no ano passado

A posição da Boeing no mercado da aviação comercial também é algo que deve ser considerado. A gigante aeroespacial tem atualmente encomendas de mais de 6.000 jatos, o que representa anos de produção.

A sua grande rival, a Airbus, tem uma carteira de pedidos ainda maior e tem lutado para produzir aviões suficientes para corresponder a essa demanda.

Simplificando, o mercado atualmente precisa da Boeing para que as companhias aéreas possam obter os aviões de que necessitam. Mas futuramente, a empresa também terá de estar em boa forma se quiser afastar a ameaça de um rival emergente.

A fabricante chinesa Comac, subsidiada pelo Estado, está agora produzindo o jato de passageiros C919, um rival potencial do 737 Max e do Airbus A320 neo. Seus voos comerciais foram iniciados em maio.

Embora a sua carteira de encomendas seja minúscula em comparação à dos dois gigantes estabelecidos, a longo prazo a companhia chinesa poderá lucrar com qualquer fraqueza do gigante americano.

A brasileira Embraer, um fornecedor de sucesso para pequenas companhias aéreas regionais, também tem potencial para ocupar o espaço da Boeing e da Airbus.

“A Boeing é grande demais para quebrar, mas não é grande demais para ser medíocre”, diz Ronald Epstein, diretor-gerente do Bank of America, que acompanha a empresa.

“Todos nós queremos uma Boeing saudável”, acrescenta. “Ter uma Boeing que está no caminho errado é ruim para todos.”

As crises já afetaram fortemente a empresa, que tem perdido dinheiro todos os anos desde 2019, em um montante que totaliza mais de US$ 30 bilhões de dólares.

Tudo isso pode explicar porque é que o Departamento de Justiça não impôs sanções mais severas à Boeing, mesmo com a empresa tendo admitido ter cometido um crime grave.

Isso por si só é um grande passo. A questão agora é se o Departamento de Justiça americano fez o suficiente para impedir futuras irregularidades.

Bbcnews.com

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