“Acredito em colocar o terror na mente do público, e não necessariamente na tela”, disse o diretor de cinema Alfred Hitchcock à BBC em 1964, quando perguntado sobre como aperfeiçoou sua incrível habilidade de manter o público apreensivo no cinema.
O cineasta, que faria 125 anos nesta semana, estava explicando ao apresentador Huw Wheldon, da BBC, que sua destreza em construir e manter o suspense cinematográfico estava enraizada na sua compreensão intuitiva da psicologia humana.
Hitchcock já havia, a essa altura, revolucionado o gênero de suspense com uma série de filmes clássicos que mexiam com a psique do público, como Um Corpo que Cai, Psicose e Pacto Sinistro.
Um mestre na arte de aumentar lentamente a tensão na tela, ele acreditava que o segredo para o suspense não era apenas chocar os espectadores, mas manipular sutilmente sua percepção e emoções.
Nas cenas dos seus filmes, ele construía pouco a pouco uma escalada crescente de ameaça, prolongando a expectativa do público de que algo terrível pudesse acontecer a qualquer momento.
Até que, quando finalmente acontece, os espectadores são inundados por uma imensa sensação de alívio.
Em uma sequência assustadora de Os Pássaros, de 1963, em que as criaturas começam de repente a realizar ataques violentos bizarros e inexplicáveis contra as pessoas, Hitchcock demonstrou esta arte.
Na cena, Melanie, interpretada pela atriz Tippi Hedren, aparece fumando em um parquinho ao som de crianças cantando. A câmera oscila constantemente entre Melanie e o número cada vez maior de corvos pousando em um brinquedo do parquinho atrás dela.
Cada tomada de Melanie é um enquadramento mais próximo do seu rosto, aumentando a percepção do público sobre sua ingenuidade em relação ao perigo crescente que o bando de pássaros representa para ela.
Hitchcock se comparou a um operador de montanha-russa: sabendo até onde levar seu público para emocioná-lo, mas não tão longe a ponto de tornar desagradável.
“Eu sou, em alguns aspectos, o homem que diz, na hora da construção, ‘quão íngreme podemos fazer a primeira descida?’, e ‘isso vai fazer eles gritarem'”, explicou.
“Se você fizer uma queda profunda demais, os gritos vão continuar conforme o vagão inteiro vai para o precipício, e isso destrói todo mundo. Por isso, você não pode ir muito longe, porque você quer que eles saiam da montanha-russa rindo de prazer, como a mulher que sai do filme, um filme muito sentimental, e diz, ‘nossa, chorei muito’.”
O diretor chamou esta sensação de “a satisfação da dor temporária”.
As pessoas vão “suportar as agonias de um filme de suspense” desde que você dê a elas alguma forma de liberação catártica da tensão.
Ele aprendeu o preço de ir longe demais quando fez seu thriller de espionagem de 1936, O marido era o culpado.
O filme conta a história de uma mulher que aos poucos descobre que o marido está planejando um ataque terrorista. Quando lançada, a obra foi recebida com uma resposta morna do público e da crítica.
Hitchcock colocou a culpa em uma cena específica do filme. Nela, a tensão aumenta constantemente à medida que um garoto viaja por Londres para entregar um pacote, sem saber que ele está realmente carregando uma bomba-relógio.
O público já viu a bomba, aumentando sua expectativa de um desastre iminente.
A sequência oscila então entre cenas do garoto, do pacote da bomba e de vários relógios pelos quais ele passa, mostrando que o tempo está se esgotando.
“A hora está passando, a hora da bomba explodir em tal e tal ocasião, e eu desenhei essa coisa, atenuei todo o negócio”, disse Hitchcock à BBC.
“Então alguém deveria ter dito ‘meu Deus, tem uma bomba’, pegado e jogado pela janela. Bum! Mas todo mundo fica aliviado.”
“Só que eu cometi um erro, deixei a bomba explodir e matar alguém. Uma técnica ruim. Nunca repeti isso.”
Ação sem palavras
Hitchcock sabia que, para o suspense funcionar, ele precisava estar enraizado na antecipação do perigo pelo público.
Então, os espectadores precisavam estar cientes de coisas que eram desconhecidas para os personagens do filme. Desta forma, eles poderiam descobrir com antecedência o que poderia acontecer, e se preocupar com o resultado.
O diretor planejava meticulosamente suas cenas para oferecer esses fatos necessários ao espectador, permitindo que situações de suspense fossem criadas.
Em seu clássico de 1959, Intriga Internacional, na famosa cena em que Roger Thornhill, interpretado pelo ator Cary Grant, é aterrorizado por um piloto de pulverização agrícola, as tomadas de plano aberto passam um tempo mostrando o quão plana e descampada é a paisagem.
Então, quando Grant é atacado pelo avião, e seu provável assassino começa a atirar, o público já sabe que não há um lugar para ele se proteger.
Às vezes, Hitchcock dava zoom em pequenos detalhes reveladores, forçando o espectador a vê-los.
Em uma cena crucial de Janela Indiscreta, de 1954, a câmera dá um zoom para mostrar as mãos de Lisa Fremont (Grace Kelly) sinalizando para LB Jeffries (James Stewart), que está assistindo do prédio da frente, sua descoberta do anel da Sra. Thorwald, que foi assassinada.
A câmera sai de uma panorâmica para se aproximar do rosto do marido assassino Lars Thorwald (Raymond Burr), que percebe que Lisa está sinalizando.
Ele então levanta a cabeça para ver para quem ela está sinalizando, e de repente se dá conta de que Jeffries está observando.
Sem nenhum diálogo, o público agora sabe que Lisa e Jeffries estão em perigo.
Embora Hitchcock fosse extremamente hábil em usar o som ou o silêncio para intensificar o impacto cinematográfico, como os violinos estridentes icônicos de Bernard Herrmann em Psicose, de 1960, ele se considerava principalmente um contador visual de histórias.
Ele começou sua carreira dirigindo filmes mudos na década de 1920 e aprendeu a ultrapassar os limites do que a câmera normalmente poderia fazer.
Ele experimentava constantemente movimentos de câmera ousados e edições inovadoras para transmitir detalhes essenciais da trama, motivações dos personagens ou seu estado emocional.
Muitas vezes, ele usava tomadas de plano subjetivo (que mostram a perspectiva de um personagem) para envolver intimamente o público na história, levando-os a ter empatia com a situação do personagem principal.
Podemos ver isso em seu thriller de 1958 sobre obsessão, Um Corpo que Cai.
Nele, ele usou o agora famoso zoom dolly — uma técnica desconcertante em que a câmera se aproxima, enquanto é simultaneamente afastada — para permitir que os espectadores vivenciem a sensação de medo, choque e desorientação ao mesmo tempo em que seu protagonista é tomado pela vertigem, ajudando a criar essa conexão emocional.
Em Janela Indiscreta, o público assiste a grande parte do filme do ponto de vista de Stewart, em uma cadeira de rodas, enquanto ele espia seus vizinhos.
Os espectadores veem os eventos se desenrolarem pelos olhos de Stewart, descobrindo pistas sobre o assassinato da vizinha ao mesmo tempo que ele, aumentando assim a tensão voyeurística inquietante do filme.
Jogos mentais
Fazer com que seu público tivesse esse envolvimento emocional foi essencial para Hitchcock conseguir manipular como os espectadores se sentiam.
Isso, ele pensava, era muito mais importante do que a temática do filme.
Foi Hitchcock quem popularizou o termo “MacGuffin”, um recurso narrativo que impulsiona a trama e a motivação dos personagens sem significado intrínseco.
“Não me importo com o conteúdo”, disse ele ao apresentador Huw Wheldon, da BBC.
“O filme pode ser sobre qualquer coisa, desde que eu faça o público reagir de uma certa maneira a tudo o que eu coloco na tela. Se você começar a se preocupar com os detalhes sobre o que são os papéis que os espiões estão tentando roubar, isso é um monte de bobagem. Não posso me preocupar com o que são os papéis que os espiões estão atrás.”
E Hitchcock sabia que não era necessário mostrar tudo ao público para provocar esse tipo de sentimento intenso e que aquilo que o público imagina é com frequência mais assustador do que realmente vê.
Em Psicose, há uma cena famosa que revela sua maestria na composição e edição para extrair o máximo de reação emocional dos espectadores.
Como disse o jornalista Tom Brook, do programa Talking Movies, da BBC, em 2020: “Nenhuma descrição verbal de Psicose pode transmitir seu verdadeiro impacto visceral”.
Na sequência, a personagem Marion Crane (Janet Leigh) é esfaqueada no chuveiro. A cena é apresentada com uma montagem rápida, que oscila entre imagens do agressor com a faca em movimento, justapostas com aproximações de seu rosto aterrorizado, acompanhada por uma trilha sonora dissonante e estridente.
O ritmo intenso da edição, impecavelmente sincronizado com os sons estridentes, gera uma sensação profunda de violência, vulnerabilidade e pânico no espectador, sem realmente mostrar imagens explícitas de sangue ou da faca entrando na vítima.
“Eu fiz isso deliberadamente bem bruto”, disse Hitchcock.
“Mas conforme o filme se desenvolvia, eu colocava cada vez menos horror físico nele, porque eu estava deixando isso na mente do público. Conforme o filme avançava, havia cada vez menos violência; mas a tensão, na mente do espectador, aumentava consideravelmente. Eu estava transferindo isso do filme para suas mentes.”
“Então, perto do final, não tinha violência nenhuma. Mas o público a essa altura estava gritando de agonia. Ainda bem!”
Leia a íntegra desta reportagem (em inglês) no site BBC Culture.
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