Um levantamento do Instituto Internacional para Estudos Estratégicos revelou que, até 2022, a China realizou investimentos em mais de 170 países. O dado reforça a iniciativa de ampliar a presença dos chineses em outras regiões do mundo. Aqui no Brasil, o Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC) destaca os investimentos em infraestrutura, como portos e ferrovias, e indica que a medida faz parte de uma estratégia de maior controle sobre o escoamento de produtos agrícolas. Confira a conversa que tive com o diretor de conteúdo do CEBC, Tulio Cariello, sobre o tema.
Há investimentos estratégicos da China espalhados em portos de todo o mundo, como o megaprojeto no Peru. E aqui também no Brasil, a exemplo do Porto de Paranaguá. Que tipo de controle marítimo isso dá aos chineses?
Eu acho que é fundamental para os chineses, que são na verdade os principais parceiros comerciais da maioria dos países da América do Sul, ter o controle sobre o escoamento desses produtos. Então, naturalmente, a gente sabe que no passado, inclusive no início dos anos 2000, quando a China começou a despontar como ator mais relevante no comércio internacional, boa parte, por exemplo, da questão dos produtos do agro que eram comercializados com a China dependiam em grande parte de transporte via tradings internacionais dos Estados Unidos ou da Europa. Hoje a gente vê que a China, com esse crescimento da demanda do mercado chinês, o aumento das vendas dos países aqui da região para a China, eles buscaram aumentar a sua influência, sua capacidade de controlar o escoamento desses produtos. Por isso a gente tem visto muito desses investimentos vindo para essas áreas ligadas a armazenamento, transporte, portos, ferrovias, rodovias, armazéns. Acredito que isso faz parte de uma estratégia chinesa de, por conta desse maior comércio que a gente tem visto nos últimos anos, ter um maior controle sobre o escoamento desses produtos.
Qual a importância deste Porto do Peru pro Brasil? Porque a gente tem expectativas de algum encurtamento na distância no trajeto ali até a Ásia. Isso traz algum impacto para o agro direto ou indireto na sua avaliação?
Eu acredito que sim porque, de fato, todo tipo de investimento que melhore a nossa infraestrutura regional pode acabar contribuindo. Eu acredito que esse porto no Peru não necessariamente vai ter um impacto tão significativo no Brasil, até porque a nossa rota costuma ser outra, não necessariamente passa pelo Peru. Mas, de fato, o Peru vai ter muito a ganhar. Eles são grandes exportadores de minérios para a China, aqui no Brasil também. E eu acredito que o mais importante aqui é a gente pensar em estratégias para atrair investimentos do tipo também aqui para o Brasil. Eu acredito que a maior parte do investimento chinês — hoje aqui ela é muito concentrada ainda na questão de energia —, sobretudo na área de eletricidade e petróleo. E os investimentos em infraestrutura, infraestrutura tradicional, como comentei, ferrovias, portos, armazéns, ainda está muito abaixo do potencial que essa área oferece, são gargalos históricos que o Brasil tem. Eu acho que hoje a China é um dos poucos países no mundo que tem envergadura e disposição econômica para investir tanto no exterior. No início, você estava comentando sobre a questão da nova Rota da Seda, desses investimentos que tem hoje em mais de 170 países. O Brasil não é parte dessa rota, mas, ao mesmo tempo, a gente está posicionado como o país que mais atraiu investimentos chineses nos últimos anos aqui na América do Sul. A gente tem praticamente metade de todo o estoque do investimento chinês aqui na região, então acredito que a gente está muito no espírito dessa nova Rota da Seda mesmo não fazendo parte oficialmente da iniciativa.
Por que a China investe tanto no Brasil?
O Brasil é uma economia emergente, com um grande potencial para atrair investimentos. A gente não atrai apenas investimentos chineses. Se a gente for olhar, por exemplo, alguns relatórios da ONU que dizem respeito a essa questão do investimento estrangeiro, o Brasil costuma figurar entre os países que mais atraem investimentos externos no mundo. A gente tem um marco regulatório que, de uma forma ou de outra, acaba favorecendo e facilitando a entrada de investimentos internacionais aqui no Brasil. A China hoje, por ser um dos países que mais investe no exterior, geralmente competindo ali com os Estados Unidos ou com alguns países europeus ou Japão, é um país que tem todo interesse no Brasil porque a gente, primeiramente, tem uma relação comercial já muito bem estabelecido com a China, principalmente nessa área de commodities. O agro, sem dúvida alguma, é talvez um dos setores mais importantes nessa situação do nosso comércio com a China, e isso acaba atraindo muitos investimentos também que são, de uma forma e de outra, complementares. Por isso eu comentei que a questão do investimento em infraestrutura ainda está muito aquém do potencial que oferece. Ou seja, a gente poderia ter muito mais investimento chinês nessa área. Eu acredito que esse é um tema que tem sido muito levantado na academia, no meio político empresarial também.
Dentro do agronegócio, qual é a principal ambição chinesa em relação ao aumento de influência aqui no país? A compra de terras por estrangeiros é algo que não pode acontecer aqui no Brasil, mas é uma meta digamos da China?
Eu acredito que não. Na verdade, quando os chineses começaram a investir no Brasil com mais relevância, que foi lá para o final dos anos 2000 no caso, eles até tentaram comprar terras daqui, mas viram que logo não seria possível por conta da legislação brasileira. Então, eu não teria nenhum temor em relação a isso. O que eles têm feito, na verdade, é, nessa área do agro, mais especificamente, tentar investir em outras áreas da cadeia produtiva do agro. Ou seja, eles não querem plantar aqui no Brasil para poder exportar para a China. Quem planta aqui no Brasil são as empresas brasileiras, os produtores brasileiros. O que a China tem buscado fazer é investir, por exemplo, na questão do escoamento de produtos. A gente tem hoje a maior empresa de alimentos do mundo, que é a Cofco, uma estatal chinesa com investimentos muito volumosos e significativos aqui no Brasil, em vários Estados brasileiros. A gente tem outra empresa chinesa que é Long Ping, que tem investido muito na parte de tecnologia, sementes. Inclusive, eu acredito que os investimentos nessa área do agro poderiam ser muito maiores também porque, se a gente for olhar em termos de projetos e os investimentos aqui, tem chineses nessa área do agro tem só 6% dos projetos investidos pela China desde 2007, que é quando começa a nossa análise no Conselho Empresarial Brasil-China, seria o quarto lugar em termos de setor, ficaria atrás só da área de petróleo, energia e indústria manufatureira. É um setor que tem muito potencial e eu espero que a gente possa ver mais investimentos nessa área no futuro também.
Há quem diga que a China está “comprando” o Brasil, seja pela dependência que a gente tem deles como clientes para as nossas exportações, seja pelos crescentes investimentos aqui. Você concorda?
Não, eu acho que isso é realmente algo que está muito fora da realidade. Inclusive porque os investimentos chineses que entram aqui no Brasil eles operam de acordo com a legislação brasileira e, em muitos casos, eles são muito benéficos para o Brasil. Primeiro porque alguns investimentos desses são, de fato, greenfield. Ou seja, investimentos que são feitos do zero que incluem, por exemplo, a construção de uma nova fábrica de algum produto específico que naturalmente dinamiza muito a relação econômica no local onde está sendo feito aquele investimento porque você vai precisar de matéria prima, você vai precisar contratar novos trabalhadores. E, em outros casos, essas empresas chinesas quando vem para o Brasil, elas compram empresas brasileiras que, em muitos casos, estão em dificuldades financeiras, o que acaba fazendo com que elas mantenham empregos aqui no Brasil e não só gerando novos empregos. Ou seja, eu acho que é uma questão que a gente tem que ver como uma parceria estratégica que funciona muito para a China. Porque de uma forma ou de outra eles estão lucrando também com esses investimentos aqui, e funciona muito para o Brasil, porque a gente está, de uma forma ou de outra, dinamizando a nossa economia, a gente está trazendo tecnologia de fora muitas vezes. Nessa área do agro, por exemplo, os investimentos da Long Ping que eu comentei nessa área mais biotecnologia, eu acredito que são muito promissores também para a relação bilateral. A questão também dos investimentos da Cofco que acabam trazendo toda essa questão ligada a infraestrutura, escoamento de produção, armazenamento. São, sem dúvida alguma, investimentos que têm muito a acrescentar para os dois lados. Na verdade, não vejo uma relação assim de dependência ou compra do Brasil como costuma ser falado, não.
Você vê algum risco importante no sentido do chinês eventualmente decidir e buscar fornecimento em outras áreas como a África em algum momento ao longo da história e abandonar gradualmente essas compras do Brasil?
Eu acredito que existe, sim, esse risco. Inclusive porque a China tem buscado outros parceiros, outros fornecedores no exterior, buscado, por exemplo, novos fornecedores na própria África, na própria Ásia e até mesmo na Europa. A China tem buscado aumentar também a produção de alguns itens, algumas commodities domesticamente. Isso é o caso muito claro, por exemplo, na área de carnes. É muito curioso porque a gente vê que o Brasil vende muita carne para a China, mas a realidade é que a China é quase autossuficiente, por exemplo, na carne de porco e na carne de frango. Então, o que o Brasil exporta para a China muitas vezes não chega a 1% do que de fato é consumido no país. É realmente uma relação que tem que ser vista a longo prazo. Os chineses têm feito isso porque tem consciência de que não pode depender tanto de um ou dois parceiros no fornecimento de commodities, inclusive porque o Brasil é um dos poucos países no mundo que têm essa envergadura e toda essa produtividade, capacidade de exportação durante todo o ano. A gente tem muito mais safras, por exemplo, do que outros países que estão mais no hemisfério norte, por exemplo, como é o caso dos Estados Unidos. Mas, o fato é que isso é um trabalho que a China tem feito, de buscar evitar essa dependência excessiva do Brasil. Eu acho que a gente tem que pensar isso do nosso lado também. Para o futuro, a China, naturalmente, vai continuar sendo o nosso principal destino de vendas, por exemplo, de soja e carnes, eu não vejo isso mudando. Mas o fato é que a gente precisa, sim, buscar novos parceiros no exterior. Acredito que a própria África é um continente que oferece grandes oportunidades. Inclusive, a imagem do Brasil na África, em geral, é muito positiva. A gente tem capacidade de exportar para o exterior, para a própria Ásia de uma forma geral, países emergentes do continente asiático, e buscar outros mercados além da China para evitar que essa dependência se aprofunde.
Os bancos chineses estão avançando pelo mundo? Como esse movimento é compreendido por vocês do ponto de vista de empréstimos para diferentes setores, entre eles o agro, e até um avanço da circulação do yuan, que essa é uma ambição inclusive da China, não?
É, exatamente. No Brasil a gente tem, de fato, a presença de alguns dos maiores bancos chineses, mas eu acredito que a relação do Brasil com a China nessa área, ela é muito mais voltada para a questão do investimento do que do financiamento. A gente não tem muito financiamento chinês aqui. Mas, de fato, eu acho que para a área do agro, a questão do financiamento é muito promissora no sentido de que a gente pode buscar mais parcerias e financiamento verde no caso. A China é um país agora que tem investido muito na questão de transição energética, eles têm uma meta muito ambiciosa de descarbonização, ou seja, até 2060 eles querem ser neutros em carbono. Isso reflete muito também nas ações da China no exterior. Então o Brasil, que é um país que já tem essa questão da tecnologia do agro bem desenvolvida, um dos países que mais investe nessa área, é uma referência mundial poderia atrair mais financiamento para além dos investimentos também, claro, como eu comentei nessa área, por exemplo, de carne carbono neutro, agricultura de baixo carbono são todos setores que têm muito potencial para atrair parcerias.
Fonte: Jovem Pan.
Imagem: Reprodução/Jovem Pan News.