Nascida e criada em uma cidade no sul do País de Gales, ela saiu de casa aos 17 anos e foi para Londres.
Trabalhou durante muitos anos, primeiro como auxiliar em um consultório médico e depois como secretária de uma empresa, profissão que seu primeiro marido considerava mais coerente para uma mulher.
Como sempre amou a natureza, ela se matriculou em aulas noturnas de Botânica e seu professor a incentivou a ingressar na universidade.
Ela diz que nunca tinha pensado nisso, mas foi a uma entrevista com o reitor do King’s College London e, “depois de uma longa conversa, na qual fui quem mais falou, ele me disse: ‘Espero você em outubro’.”
“Aprendi o máximo que pude sobre coisas incríveis. Fui para outros departamentos e fiz Biogeografia avançada, Geologia e Parasitologia de todos os tipos.”
Após se formar, ela seguiu como professora na mesma universidade por 15 anos, até aceitar um novo emprego no Instituto de Arqueologia da University College London.
“Curiosamente, consegui esse emprego graças ao meu amor por todas as coisas microscópicas”, diz. “Você não percebe o que realmente te fascina até tentar de tudo, e eu adorei pequenas coisas.”
E assim começou sua carreira como palinologista.
Palinologia é a disciplina científica que trata do estudo do pólen das plantas, dos esporos e de certos organismos planctônicos microscópicos, tanto na forma viva quanto na forma fóssil.
“Eu me dediquei à reconstrução ambiental, em locais como Pompeia e a Muralha de Adriano.”
O estudo nessa área permite revelar como era a paisagem nos tempos antigos porque o pólen e os esporos “podem sobreviver por milhões de anos”.
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Legenda da foto, O pólen da planta da malva em imagem ampliada 300 vezes
No entanto, estudar o pólen para descobrir se os campos no passado eram agrícolas ou silvestres e o que crescia neles está muito longe de solucionar crimes.
O que motivou a mudança de direção?
“Uma chamada telefônica.”
Em 1994, quando Wiltshire tinha 50 anos, recebeu o telefonema que mudou o rumo de sua carreira.
Era um policial de Hertfordshire perguntando se ela poderia ajudar na investigação de um caso de assassinato.
Um corpo carbonizado tinha sido deixado em uma vala e havia marcas de pneus em uma área próxima. A polícia precisava saber se o carro dos suspeitos esteve no local do crime.
“Nunca tinha feito nada assim antes, mas analisei tudo no carro (dos suspeitos) e descobri que o pólen nos pedais e na área das rodas correspondia ao pólen na beira de um campo agrícola.”
“Quando a polícia me levou ao local do crime, pedi que não me dissessem onde encontraram o corpo, pois queria testar o meu estudo.”
“Era um local muito grande, mas depois de passear por ele consegui identificar o local exato pelo tipo de flores que havia naquele trecho”, diz. “Foi um momento eureka para mim porque não pensei que seria tão específico.”
Apesar de seu ceticismo inicial em relação à Ecologia Forense, ela começou a trabalhar em cada vez mais casos e a escalar “uma montanha muito íngreme de aprendizado”.
“Se eu não tivesse tido toda a experiência que tive em laboratórios hospitalares fazendo palinologia, bacteriologia, todas aquelas coisas estranhas e maravilhosas, todo aquele trabalho de campo ecológico, não seria capaz de fazer o que faço agora.”
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Legenda da foto, Impressões digitais e DNA são as marcas geralmente deixadas pelos criminosos; o que Wiltshire procura são as marcas deixadas na paisagem
Do seu lado, ela tinha pólen que, ao contrário de outras formas de evidência, não é facilmente removido, pois fica incorporado em tudo que o toca.
“Está ao nosso redor e você inevitavelmente tem contato”, diz. “Cada contato deixa um rastro”, observa a palinologista, citando Edmond Locard, o pioneiro da ciência forense conhecido como o “Sherlock Holmes da França”.
E ela usa esses rastros para estabelecer quem esteve onde.
“Na verdade, mais do que isso: mapeando as roupas, posso dizer qual parte do corpo fez o quê”, diz. “Em um caso específico de tentativa de homicídio, por exemplo, um homem tentou estrangular uma menina debaixo de um poste de luz e disse que não estava lá.”
“Como tirei amostras detalhadas da cena do crime, consegui reconstruir o que ele fez naquele momento. Depois de examinar suas roupas, mostrei que ele não apenas esteve lá, mas também tropeçou na cerca com o ombro esquerdo, arrastou a garota por uma cerca, se ajoelhou e assim por diante.”
Desde o seu primeiro caso em Hertfordshire, Wiltshire conseguiu utilizar a ampla gama de tópicos que estudou para desenvolver a Ecologia Forense, o que ajudou a resolver muitos casos ao longo dos anos.
Alguns de grande repercussão no Reino Unido, como os assassinatos de Sarah Payne, de 8 anos, em 2000, e de Milly Dowler, de 13 anos, em 2002, bem como os de cinco mulheres, cometidos por um serial killer em Ipswich, em 2006.
E o que aconteceu com Holly Wells e Jessica Chapman, cujos corpos foram encontrados em uma vala?
A resposta nas urtigas
A polícia pediu que ela fosse ao local do crime.
“Quando vou ao local de um crime, tudo é importante: o chão, a vegetação, a quantidade de luz, os insetos. Tudo compõe uma imagem da qual se pode obter uma enorme quantidade de informações para a polícia”, disse à BBC.
Neste caso, disse ela, queriam saber como o assassino entrou na vala, porque não conseguiram encontrar um caminho.
“As urtigas estavam na altura do peito. Caminhei com cuidado e encontrei. A vegetação que foi pisoteada, eu pude ver o que aconteceu. Mas, claro, isso não basta: é preciso comprovar.”
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Legenda da foto, No caso das garotas assassinadas, as urtigas ajudaram a revelar o passo a passo do crime
Para Wiltshire, as urtigas pisoteadas encontradas na cena do crime foram fundamentais para calcular quando os corpos foram deixados lá. Então ela projetou um experimento inovador.
“As urtigas foram pisoteadas, mas se recuperaram, então o importante era o crescimento dela. Quando você pisa em uma planta, você interrompe o fluxo hormonal da ponta para o resto da planta. O que você vê não é apenas a interrupção, mas também uma linha do tempo.”
“Montamos um cenário em uma fazenda local onde havia bancos de urtigas, e o diretor entrou duas vezes com um grande peso nas costas.”
“Aquelas urtigas foram fotografadas todos os dias e observamos sua recuperação. Elas se comportaram exatamente como as urtigas na cena do crime.”
“Depois de cerca de 12 dias e meio, chegamos ao mesmo número de nós e às mesmas distâncias entre os nós.”
A experiência de Wiltshire revelou que os corpos das meninas foram colocados na vala logo após seu desaparecimento.
“Mostrei à polícia onde o agressor havia entrado na vala e, quando entrei, encontrei cabelo de Jéssica em um galho”, diz. “A rota de aproximação é importante porque pode haver pistas e você pode procurar impressões digitais ao longo desse caminho.”
Enquanto isso, a investigação da polícia identificou o principal suspeito, Ian Huntley, o zelador da escola feminina onde as garotas estudavam.
Evidências contundentes
Durante as investigações, Huntley se posicionou como uma espécie de porta-voz da cidade de Soham, sendo frequentemente entrevistado pela imprensa.
Ele constantemente pedia informações à polícia, não apenas sobre a investigação, mas sobre outros detalhes que despertavam suspeitas nos detetives.
Ao fazer uma investigação forense em sua casa, foram encontradas fibras das camisetas que Jessica e Holly usavam. Mas ele tinha uma explicação: naquele dia, as meninas tinham ido embora porque uma delas estava com sangue saindo do nariz, e ele as ajudou, o que era plausível.
Os detetives continuaram a busca por mais evidências.
Eles revistaram a escola onde Huntley trabalhava e encontraram peças de roupa – queimadas e cortadas – que as meninas usavam quando foram vistas pela última vez.
Quando Wiltshire analisou as roupas, descobriu que “tudo o que continham eram pedaços de vegetação, principalmente os frutos dos amieiros que pendiam densamente sobre aquela vala”.
“Eu soube imediatamente que as meninas estavam vestidas quando foram jogadas na vala.”
Tudo isso fazia parte das provas incriminatórias contra Huntley.
Wilstshire foi uma das especialistas que testemunhou no julgamento que condenou Ian Huntley à prisão perpétua por, no mínimo, 40 anos.
bbcnews.com