Há 20 anos a ovelha Dolly – primeiro clone de mamífero, criado na Escócia – precisava ser sacrificada e atraía a atenção do mundo para o tema científico. Em solo cearense, as primeiras cabras e vacas clonadas nasceram há quase 10 anos numa pesquisa destinada à criação de medicamentos contra vários tipos de câncer.
Além disso, especialistas cearenses também analisam como embriões clones de veado-catingueiro podem reduzir o risco de extinção da espécie. Dessa forma, a clonagem acontecem com próposito de contribuir para a saúde humana e preservação ambiental no Ceará.
Em ambas as iniciativas, a técnica aplicada parte do mesmo princípio do que deu origem à Dolly. Com o avanço da tecnologia, os animais clonados apresentam boa saúde e vivem como os gerados naturalmente.
Em 2014, a cabra “Gluca” nasceu como resultado de clonagem animal para a produção da substância glucocerebrosidase, na primeira leva de clones da Unifor. Para isso, foi feita uma modificação genética a fim de gerar essa proteína no leite.
Naquele ano, 3 vacas da raça guzerá também foram clonadas. Os estudiosos, nesse caso, avaliam como os animais podem servir para a criação de biofármacos, que são medicamentos gerados por meio de algum organismo vivo.
Entre eles, uma alternativa para o tratamento da doença de Gaucher, que compromete o funcionamento do baço e fígado, além de combater câncer de pulmão, rins, ovários e do tipo colorretal.
O trabalho acontece para aperfeiçoar a plataforma e adequar aos parâmetros de agências reguladoras. Essa é a base para buscar futuras parcerias e poder disponibilizar medicamentos, como explica o pesquisador Leonardo Tondello.
Leonardo, que faz parte do Núcleo de Biologia Experimental (Nubex) e ensina no curso de Veterinária da Unifor, aponta que os testes in vitro e em camundongos são positivos na redução dos tumores e metástases.
“Tem alguns biofármacos que nós já produzimos e nos apresentaram cenários bem interessantes, como o anticorpo monoclonal. Tem uma versão comercial utilizada contra câncer de pulmão, rim, ovários, colorretal e uma série de outros tipos”, completa.
Novos animais transgênicos foram produzidos em 2016 e em 2019 e os cientistas atuam na continuidade da pesquisa.
“Quando nós iniciamos esse trabalho, em 2009, nós imaginávamos que a plataforma seria dominada facilmente, mas ainda há pontos cruciais que ainda precisam ser dominados. É nisso que estamos trabalhando no momento”, conclui.
Clonagem contra extinção
Há cerca de 4 anos a preocupação com a possibilidade de extinção da espécie conhecida como veado-catingueiro, Mazama gouazoupira, motivou trabalhos para a clonagem do animal na Uece.
“Essa espécie é a única da região Nordeste e está diminuindo bastante devido ao tráfico e às atividades da humanidade, como a redução da área desses animais”, como alerta Vicente Freitas, pesquisador e professor da Faculdade de Veterinária da Uece.
A técnica utilizada pelos cientistas não depende dos óvulos da espécie, sendo o material de vacas, cabras e ovelhas também funcionais. Nesse caso, do bicho ameaçado de extinção é preciso apenas de células da pele.
O grupo, integrado ao Programa Cientista-Chefe da Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Sema), já conseguiu produzir embriões e a próxima etapa, de gerar um animal vivo, deve acontecer esse ano. Para isso, é preciso uma fêmea de veado-catingueiro para a gestação de 7 meses.
Esse é um esforço que pode repovoar alguns espaços com os animais para manter a presença da espécie na natureza.
“Parece muito simples, porém é um processo muito delicado e de baixíssimo rendimento, mas que tem sido usado para salvar algumas espécies da extinção”, frisa Vicente.
Como acontece a clonagem
Os dois exemplos cearenses de clonagem acontecem com algumas similaridades. Para a produção de cabras, é feita uma biópsia da pele do animal a ser clonado e essa amostra passa por um processo de multiplicação de células.
O material é congelado em nitrogênio líquido até o momento adequado. “Para a clonagem em si precisamos de um lado dessas células e de óvulos, que tem a maquinaria necessária para a produção de um embrião”, completa Leonardo.
Na sequência, é feito um processo parecido com o que o espermatozóide faz para ativar o óvulo e dar início ao desenvolvimento embrionário. Por fim, o embrião é colocado numa fêmea receptora.
Os procedimentos são parecidos com os passos adotados para a clonagem de veado-catingueiro, mas nesse caso, os especialistas conseguem usar óvulos de outras espécies. O material das vacas tem apresentado um bom resultado.
“O material genético da vaca é retirado durante o processo e vai só a genética do veado-catingueiro. O embrião é transferido para o útero de uma “mãe de aluguel”, uma receptora, que vai levar a gestação”, explica Vicente. A receptora precisa ser da espécie Mazama gouazoupira.
Relembre a Ovelha Dolly
Dolly nasceu a partir da técnica de clonagem por transferência nuclear no Instituto Roslin, na Escócia, em julho de 1996. Ali surgiu o primeiro clone de um mamífero.
O animal, contudo, foi sacrificado no dia 14 de fevereiro de 2003, aos 6 anos, após ser diagnosticado com um câncer de pulmão. Os pesquisadores da época informaram que a doença não estava relacionada à clonagem.
Em geral, a espécie vive o dobro do período de Dolly. Mas o clone, inclusive, sofria de doenças típicas de bichos mais velhos, como artrite nas patas.
Leonardo explica que, na verdade, os clones de animais vivem da mesma forma que um fecundado de forma natural.
“Existe um mito após o nascimento da Dolly que os clones têm o envelhecimento precoce, que nascem com a idade biológica do animal clonado, mas isso foi completamente comprovado como mito”, reforça.
O tema também acende discussões sobre ética e o uso de animais para estudos. Existem muitas opiniões pessoais, mas as pesquisas são conduzidas com base em critérios técnicos, como destaca o especialista.
“Nós utilizamos a clonagem dentro de uma esfera científica, muito mais complicado seria relacionar com a clonagem de humanos. Esse é um tema polêmico e algumas pessoas tendem a fazer esse tipo de raciocínio”, finaliza Leonardo.
Fonte: Diário do Nordeste