A situação da Venezuela pós-eleição já vem sendo chamada por alguns de “guerra das atas”.
Desde que o Conselho Nacional Eleitoral da Venezuela (CNE) anunciou a vitória de Nicolás Maduro nas eleições presidenciais de julho, os registos de votação tornaram-se um elemento-chave na discussão entre o partido no poder e a oposição naquele país.
A oposição venezuelana, liderada por María Corina Machado, disse que tinha em sua posse 80% das atas. O material foi publicado na internet, em um site que apresentou instabilidade.
Se nos próximos dias o CNE publicar as atas, como pedem diversos outros países, muitos acreditam que a situação pode virar uma disputa de versões perante o Supremo Tribunal de Justiça, controlado pelo chavismo.
Maduro diz que a oposição tenta promover um “golpe de Estado” contra ele.
Líderes de vários países, como o Brasil, têm cobrado a divulgação de atas eleitorais pelo CNE.
Os governos do Brasil, Colômbia e México lançaram uma nota conjunta na quinta-feira (1/8) na qual reforçam a cobrança de que as autoridades venezuelanas divulguem dados detalhados da votação.
Antes, na terça-feira (30/1), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva já havia falado: “É normal que tenha uma briga. Como resolve essa briga? Apresenta a ata. Se a ata tiver dúvida entre a oposição e a situação, a oposição entra com um recurso e vai esperar na Justiça o processo. E vai ter uma decisão, que a gente tem que acatar”.
A seguir, entenda os pontos-chave para entender como funciona o sistema de atas.
O que são as atas de escrutínio?
O voto na Venezuela é eletrônico.
No total, houve 30.026 mesas de voto em cerca de 15.000 centros de votação.
No início da jornada eleitoral, cada máquina de votação emite um documento que mostra que todos os candidatos começam com zero votos.
Ao se apresentar na mesa de votação, o cidadão se identifica com a impressão digital e, em seguida, utiliza uma máquina para votar.
Depois, a máquina exibe na tela as fotos dos candidatos presidenciais, e o eleitor deve escolher sua preferência.
Ao fazer isso, a máquina imprime um comprovante com o nome do candidato e o partido político escolhidos, que o eleitor coloca em uma urna.
Quando a votação é encerrada, os membros da mesa, os testemunhas e os operadores assinam na tela o documento de escrutínio, que inclui a quantidade de votos recebidos por cada candidato, detalhada por partido político.
Maduro recebeu o apoio de 13 partidos nessas eleições – o principal deles sendo o Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) – enquanto González Urrutia era respaldado por três partidos.
Em seguida, o original da ata de escrutínio é impresso na máquina de votação.
O dispositivo envia os resultados da votação daquela mesa ao CNE através de linhas dedicadas e criptografadas com três camadas de segurança – e não pela internet.
O CNE é responsável por compilar e somar as informações.
Os representantes de diferentes partidos recebem cópias impressas da ata, também geradas pela máquina.
Se a máquina for selecionada para verificação cidadã, a urna correspondente é aberta e a informação digital é comparada com a contagem manual.
Caso contrário, a urna com os votos é mantida como respaldo físico.
Quais são as medidas de segurança em cada ata?
Primeiramente, elas incluem o número do circuito e da mesa a que pertencem. Em segundo lugar, há um código denominado “hash”.
Segundo o jornalista venezuelano especializado em temas eleitorais Eugenio Martínez, o código hash é “único e irrepetível, servindo para identificar a ata nas bases de dados do CNE”.
Além disso, a data e a hora de emissão da ata também são exibidas.
Na parte inferior do documento, aparece outro código, gerado a partir do endereço MAC da máquina — um identificador exclusivo desse dispositivo na rede — e dos dados específicos da eleição, explicou Martínez, diretor do site Votoscopio.
“Tanto o código inferior quanto o código superior na ata são utilizados em uma hipotética auditoria, caso o CNE permita que especialistas independentes verifiquem a autenticidade da ata”, acrescentou.
Além disso, a ata possui um código QR que, ao ser escaneado, revela o número do circuito de votação e da mesa, assim como a quantidade de votos recebidos por cada partido naquela mesa, no mesmo formato em que aparece escrito acima no comprovante.
É possível falsificar atas de escrutínio?
Como o CNE ainda não divulgou publicamente as atas de cada mesa, não é possível compará-las com as divulgadas pela oposição para verificar se são idênticas ou se há diferenças.
Caso alguma ata desapareça, as urnas eletrônicas podem reimprimir as atas assim que forem devolvidas ao CNE, tarefa que deve ser concluída até sexta-feira, afirmou Martínez.
Se o CNE reimprimir as atas armazenadas na memória das máquinas, tanto o hash quanto a data, a hora e a assinatura digital serão alterados.
“Vamos supor que o CNE publique a ata da mesa 1 do município X e ela seja comparada com a ata da mesa 1 do município X que a oposição possui, e as informações não coincidam. Qual é a ata correta? Nesse caso, é necessário verificar a base de dados previamente auditada, onde está registrado o hash da ata de escrutínio, como o hash é gerado e como a assinatura digital da ata é criada”, disse.
Ele acrescentou que a base de dados contém a fórmula para calcular esses códigos.
Se forem encontradas duas atas da mesma mesa de votação com o mesmo código hash e assinatura digital, mas com dados diferentes sobre a quantidade de votos, o sistema prevê a possibilidade de revisar as urnas armazenadas no CNE e realizar a contagem manual.
Com reportagem de Felipe Llambías e Daniel Pardo, da BBC News Mundo
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