Prestes a ter o relatório apresentado, na próxima terça-feira (17), a CPMI dos atos antidemocráticos recebeu nesta segunda (16) um documento com sugestões da sociedade. O documento foi elaborado pelo Pacto pela Democracia, movimento que reúne pelo menos 200 entidades da sociedade organizada, e traz entre as recomendações a regulação das plataformas digitais e medidas de separação entre os militares e a política.
Ao receber o documento, a senadora Eliziane Gama (PSD-MA), relatora da CPMI, afirmou que, além dos indiciamentos e responsabilizações, o relatório deve apresentar sugestões e encaminhamentos, inclusive de ajustes na legislação. Nesse sentido, as sugestões da sociedade vão ser levadas em conta no seu texto.
— Eu estou na parte de finalização do relatório. Ontem Passamos o dia inteiro aqui no Senado, hoje também o dia inteiro e agora estamos recebendo esses documentos, que nós ainda vamos ler e consignar aquilo que for necessário e possível no nosso relatório, que será apresentado amanhã, às 9 horas da manhã — explicou a relatora.
Ela não quis adiantar pontos do texto.
De acordo com o movimento Pacto pela Democracia, o relatório foi elaborado pelo Grupo de Trabalho de Responsabilização dos Crimes Contra o Estado Democrático. O documento traz 12 recomendações e tem como objetivo estabelecer a responsabilização institucional daqueles que colaboraram com os ataques à democracia e também a criação de mecanismos para evitar a repetição de eventos semelhantes.
— O relatório traz muitas orientações da sociedade civil que ecoam em uma só voz o pedido de responsabilização para que ataques ao estado democrático de direito não aconteçam nunca mais — esclareceu Arthur Mello, do Pacto pela Democracia.
Plataformas digitais
Entre as recomendações estão a implementação de um modelo regulatório de conteúdo das plataformas digitais e a responsabilização das plataformas por conteúdos impulsionados. Nessa área de conteúdo nas plataformas, o grupo também recomenda a transparência no acesso de dados para investigações e a criação de mecanismos para denúncias e fiscalização.
— Pensando um pouco na escalada do discurso golpista e na radicalização que levaram ao 8 de janeiro, quero reforçar como um ponto extremamente necessário para evitar que isso volte a acontecer a regulação das plataformas de redes sociais. (…) Essa regulação se vê extremamente necessária, não só para garantir a liberdade de expressão, mas para impedir a circulação de informações enganosas e discursos perigosos e de ódio que atentem contra a democracia — alertou Ana Julia Bernardi, do Instituto Democracia em Xeque.
Essa regulação, segundo Carmela Zigoni, representante do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), é ainda mais necessária com a aproximação de um novo período eleitoral, em 2024.
— No ano que vem, nós teremos eleições novamente, e não será possível ter processos eleitorais limpos, transparentes e com acesso de todas as pessoas de uma forma livre e informada sem a regulação dessas big techs. Eu gostaria de destacar principalmente esse ponto para que no ano que vem a gente possa ter realmente um processo eleitoral mais tranquilo, que é o que a população brasileira merece — pregou.
Militares
O documento entregue à relatora também pede que sejam responsabilizados todos os envolvidos nos atos antidemocráticos de 8 de janeiro. Boa parte das recomendações tem como alvo os militares. Além da proibição de candidatura a cargos eletivos por militares na ativa, o Pacto pela democracia também pede que os militares percam o direito de ser votados e expressar opinião político-partidária durante o serviço ativo e que sejam responsabilizados no caso de envolvimento em violações de direitos humanos.
O documento recomenda igualmente a criação de um grupo de trabalho para avaliar o Judiciário Militar e a reformulação do Art. 142 da Constituição. Conforme os autores, o artigo, que trata do papel das Forças Armadas foi usado de maneira distorcida por movimentos que pretendiam um golpe militar contra o governo eleito. Para Rafael Schincariol, do instituto Vladimir Herzog, as recomendações buscam evitar que fatos como a ditadura militar e a tentativa de golpe mais recente se repitam.
— A nossa contribuição foi no sentido de olhar para a não repetição, em especial para as Forças Armadas, que estiveram lá atrás cometendo o golpe militar e ainda não pagaram — não houve um acerto de contas de tudo que eles fizeram no passado — e repetiram alguns desses atos no 8 de janeiro e durante todo o governo passado — disse Schincariol, ao destacar a necessidade de uma discussão sobre segurança nacional de um ponto de vista democrático.
Na pinião de Rodrigo Lentz, da Coalizão Brasil Memória, há uma cultura de impunidade e ausência de responsabilização dentro das organizações militares. Sobretudo no alto escalão das forças. Na visão dele, esse ciclo precisa ser quebrado para que haja um recado claro: “não se tenta golpe de estado no Brasil sem ser responsabilizado”.
Educação
Lentz destacou do mesmo modo recomendações voltadas à educação: a criação de uma política pública de educação para a cidadania e a criação de um programa de educação midiática fomentado pelo governo e pelas plataformas:
— Nós precisamos entrar nas escolas. As novas gerações precisam saber o que aconteceu quando a sociedade brasileira optou por dar uma solução autoritária para os seus problemas democráticos E essas novas gerações, permanentemente, junto com os professores e as instruções de ensino, exercendo essa memória do 8 de janeiro, fazer a construção dessa cultura democrática.