Em meados de maio, a Rússia atacou a Ucrânia pelo nordeste, fazendo uma incursão surpresa na região de Kharkiv e dominando alguns territórios que havia ocupado nas fases iniciais da invasão em grande escala, mas que tinham sido abandonados.
Alguns analistas descreveram a situação como uma ofensiva “enquanto o mundo dormia”.
Combates intensos seguiram-se próximos à cidade de Vovchansk, a 5 km da fronteira entre a Rússia e a Ucrânia.
As previsões sobre o que poderia acontecer em seguida eram sombrias para a Ucrânia: a Rússia parecia no caminho certo para avançar e talvez até capturar a segunda maior cidade da Ucrânia, Kharkiv, que antes da guerra contava com uma população de 1,4 milhão.
Com a demora para chegar ajuda militar ocidental, após um atraso de meses na aprovação do auxílio, a Ucrânia estava com pouca munição
Parecia que a Rússia tinha aprendido com os erros do passado e a próxima fase da guerra poderia ser uma ofensiva de verão bem-sucedida para os russos.
O analista militar Jack Watling, do Royal United Services Institute do Reino Unido, diz que o objetivo da ofensiva não estava apenas no nordeste, mas também numa “expansão mais ampla do avanço russo em Donbas”, uma região do leste da Ucrânia que está parcialmente sob o domínio militar russo desde 2014.
A mais recente operação russa foi bem-sucedida?
Após quase dois meses, as forças russas estão avançando em partes da linha da frente, mas não conseguiram ocupar completamente as cidades estratégicas de Vovchansk e Chasiv Yar.
Ambas foram palco de alguns dos combates mais intensos das últimas seis semanas.
A captura dessas cidades daria à Rússia uma grande vantagem — cortando as linhas de abastecimento militar da Ucrânia — e permitiria o deslocamento para uma área mais vasta.
A principal razão para essa falta de progresso foi, por um lado, a aparente incapacidade da Rússia em levar reservas suficientes para o lugar certo e no momento certo para prosseguir com a ofensiva.
Por outro lado, novos envios de ajuda militar do Ocidente começaram a chegar à Ucrânia, ajudando o país a manter sua defesa.
Mykola Bieleskov, pesquisador do Instituto Nacional de Estudos Estratégicos da Ucrânia, que também escreve para publicações de análise global, diz que a Rússia apressou-se em lançar a ofensiva após o Congresso dos Estados Unidos aprovar um pacote de ajuda militar de US$ 61 bilhões para a Ucrânia, em abril.
“A janela de oportunidade começou a se fechar. O novo pacote de ajuda diminuía a vantagem da Rússia no poder terrestre. É por isso que, embora a Ucrânia ainda estivesse em desvantagem, a diferença também diminuiu.”
O blogueiro militar russo Alexander Kots escreveu que a Ucrânia lançou grandes reservas em direção a Vovchansk e “nós (as forças russas) não deveríamos esperar avançar em grande escala em breve. Precisamos fortalecer nossas posições e nos preparar para um contra-ataque.”
Mas embora a ofensiva tenha desacelerado, e as forças ucranianas reagrupadas tenham conseguido manter suas posições, isso não significava que a Rússia estivesse perdendo.
Dois fatores na guerra impactaram o desenrolar dos fatos.
1. Bombas planadoras
Um desses fatores são as bombas planadoras, uma das armas mais eficazes da Rússia até o momento.
Autoridades ucranianas dizem que aviões russos têm largado até cem delas por dia nas últimas semanas.
As bombas planadoras são bombas de queda livre — muitas delas remontam aos tempos soviéticos e até mesmo à Segunda Guerra Mundial.
Elas foram modernizadas com winglets (ou “asas”) e navegação por GPS — o que permite que sejam direcionadas a seus alvos. Aviões russos têm lançado bombas planadoras enquanto voam no espaço aéreo russo.
Relativamente pequenas e emitindo pouco calor, é quase impossível interceptá-las com sistemas de defesa aérea, que muitas vezes conseguem abater mísseis e drones.
O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, destacou a questão em sua mais recente entrevista a um jornal americano.
Para evitar que a aviação russa lançasse bombas planadoras, a Ucrânia buscou autorização de países ocidentais para atacar o território russo usando kits estrangeiros, visando aeronaves militares.
Segundo o analista Mykola Bieleskov, atacar os aeródromos militares russos era a única forma de “negar a vantagem da bomba planadoras”.
2. Ataques contra a Rússia
Os reveses da Ucrânia na linha da frente, bem como os contínuos ataques russos à infraestrutura energética da Ucrânia, levaram os Estados Unidos a mudar de ideia sobre o uso de armas doadas para atacar o território russo.
Kiev obteve, inicialmente, permissão para lançar armas fornecidas pelos EUA contra alvos militares em território russo próximo à região de Kharkiv.
No final de junho, o conselheiro de segurança nacional dos EUA, Jake Sullivan, disse que o acordo com a Ucrânia sobre o disparo de armas americanas contra a Rússia se estendia “a qualquer lugar onde as forças russas atravessassem a fronteira do lado russo para o lado ucraniano para tentar tomar território ucraniano adicional”.
A permissão não foi concedida de imediato, uma vez que os EUA e o Ocidente tentam evitar uma tensão mais direta com Moscou.
O Kremlin afirmou que permitir que a Ucrânia utilize armas fornecidas pelos EUA contra alvos na Rússia revela o “profundo envolvimento de Washington no conflito”.
Por quanto tempo a guerra continuará?
Embora essa ofensiva russa não tenha trazido grandes avanços territoriais até aqui, a situação é incerta.
O exército ucraniano está em grande desvantagem numérica em relação à Rússia. Segundo um importante general ucraniano, em alguns lugares a vantagem russa chegava a ser de dez para um.
Ao mesmo tempo, a Rússia continua a sofrer grandes perdas. A investigação contínua da BBC Rússia sobre as perdas militares confirmadas revela um aumento nas últimas semanas, que pode ser reflexo da última ofensiva.
Muitas coisas podem não ter seguido como planejado desde o início da invasão em grande escala, em fevereiro de 2022.
Mas a determinação de Moscou em resistir apesar do apoio do Ocidente à Ucrânia continua forte como sempre.
“É claro que venceremos, apesar dos US$ 61 bilhões manchados de sangue. A força e a verdade estão do nosso lado,” escreveu o ex-presidente e ex-primeiro-ministro da Rússia, Dmitry Medvedev, após a aprovação do novo pacote de ajuda militar à Ucrânia pelo Congresso dos EUA.
Sobre quanto tempo a guerra na Ucrânia pode durar, Francis Dearnley, editor do jornal britânico Telegraph e apresentador do podcast Ucrânia: the Latest, diz: “O Ocidente tem sido reativo em vez de pró-ativo, e Washington — o aliado mais vital de Zelensky — tem liberado aos poucos armas e permissões para uso, dando a Kiev o suficiente para sobreviver, mas não para vencer de forma decisiva.”
“A agonia desta guerra, a mais sangrenta da Europa desde a Segunda Guerra Mundial, deve durar muito mais tempo do que o necessário ou previsto.”
No início de julho, o maior hospital infantil da Ucrânia, em Kiev, foi atingido por um míssil, matando dois adultos e ferindo 300 pessoas, incluindo crianças.
bbcnews.com