Para muitas pessoas, o Zoom ganhou proeminência durante a pandemia, enquanto trabalhávamos de pijama em casa.
As escolas promoveram aulas virtuais na plataforma durante os lockdowns e os amigos se reuniram no aplicativo quando não podiam se encontrar pessoalmente. Houve até casamentos e funerais pelo Zoom.
A plataforma passou a ser tão onipresente durante os lockdowns que “Zoom” entrou para o nosso vocabulário como um termo genérico para chamadas virtuais, ao lado de nomes como Kleenex e Band-Aid, que designam produtos específicos.
Com os escritórios fechados, a demanda pelo Zoom disparou. Calcula-se que ela tenha passado de 10 milhões de participantes em reuniões diárias para 200 milhões, em março de 2020. E o valor de mercado da empresa Zoom atingiu um pico de cerca de US$ 161,65 bilhões (cerca de R$ 887,5 bilhões) em outubro de 2020.
Mas, com o fim dos lockdowns, o preço estratosférico das ações do Zoom foi seguido por uma queda igualmente espetacular. Hoje, o valor da companhia sediada em San José, na Califórnia (Estados Unidos), oscila perto do seu nível anterior à pandemia, de cerca de US$ 17 bilhões (cerca de R$ 93,3 bilhões).
Como tantas outras empresas do setor de tecnologia, a Zoom promoveu demissões em fevereiro de 2023. A empresa eliminou 15% dos seus postos de trabalho.
E, pouco tempo depois, o CEO (diretor-executivo) da empresa, Eric Yuan, fez um anúncio surpreendente: a mesma companhia que ajudou milhões de pessoas a trabalhar em casa queria que seus funcionários voltassem ao trabalho presencial no escritório.
A mudança das previsões sobre o futuro do trabalho trouxe uma nova proposta. Agora, o Zoom quer ser conhecido por mais do que as “chamadas pelo Zoom”.
Em agosto de 2023, a empresa anunciou que os profissionais que morassem a até 80 km de distância de um escritório da Zoom deveriam trabalhar presencialmente pelo menos duas vezes por semana. Yuan destacou a importância da colaboração no escritório, para incentivar inovações e estabelecer a confiança dos funcionários.
A Zoom também alterou seu foco de produtos para o ambiente de trabalho físico.
Sua convocação para o trabalho híbrido coincidiu com a abertura de um novo e moderno escritório em Londres para seus mais de 200 funcionários no Reino Unido — um “Centro de Engajamento”, com 75 estações de trabalho em balcões como os de bibliotecas, mesas ágeis e hot desks que os funcionários podem reservar por meio de uma ferramenta própria da empresa.
A Zoom tentou anunciar o escritório como sendo o “modelo” de um local de trabalho moderno.
O “Centro de Experiências” vizinho, que apresenta a tecnologia da empresa, inclui uma “sala de reuniões do futuro”, com câmeras controladas por inteligência artificial (IA) e telões curvos que vão do chão até o teto.
“Se os nossos clientes usam o escritório, nós também usamos”, afirma a diretora-executiva de produtos da Zoom, Smita Hashim. Ela ocupa o cargo desde janeiro de 2023, pouco antes da reestruturação da empresa. “Isso significa que podemos tornar nossos produtos ainda melhores.”
Veterana do setor, Hashim nasceu na Índia e reside na Califórnia. Ela já liderou equipes de produtos nas plataformas de colaboração por vídeo Microsoft Teams e Google Meet. Mas seu trabalho na Zoom, muitas vezes, engloba o ambiente físico.
Afinal, o noticiado retorno da empresa ao escritório (antes da pandemia, a Zoom era, em grande parte, uma empresa presencial) não se destinava apenas a promover melhores sessões de brainstorming. Hashim conta que a medida também fazia sentido, comercialmente falando.
O novo foco da Zoom no local de trabalho se estende pelo hardware e pelo software, ambos incorporando a IA.
Seu produto Intelligent Director, por exemplo, apresenta visões selecionadas por algoritmos dos participantes das reuniões presenciais. Isso permite que os colegas virtuais se vejam em uma visão de galeria no Zoom. Mas esta função exige câmeras de alta definição que são vendidas separadamente.
Seguindo a tendência do Microsoft Copilot e do Gemini, da Google, a Zoom lançou seu próprio assistente automático permanente para o trabalho. O AI Companion usa IA generativa para fornecer resumos das reuniões, rascunhos de mensagens e recomendações para a sala de reuniões.
A empresa afirma que isso fez com que os negócios da Zoom, agora, sejam muito mais do que as chamadas de vídeo. Ela quer ser considerada uma companhia voltada ao local de trabalho, conhecida pelo seu conjunto de ferramentas colaborativas Zoom Workplace.
Hashim conversou com a BBC — via Zoom, é claro — sobre a transição da empresa para o ambiente de trabalho, a evolução do escritório físico e o futuro da IA no trabalho. Confira a entrevista.
BBC Worklife: O Zoom é sinônimo de chamadas de vídeo e trabalho à distância. Mas vocês, agora, se concentraram no trabalho presencial. Por quê?
Smita Hashim: O ambiente físico é muito importante para os clientes – e, portanto, também para a Zoom.
O futuro do trabalho é flexível: 65% dos nossos funcionários não moram perto de um escritório e trabalham remotamente. Mas as equipes ainda desejam vir e colaborar entre si presencialmente.
Além da conexão humana, queremos poder testar nossos produtos. E só podemos fazer isso se também estivermos na sala de reuniões.
BBC: Por que o ambiente de trabalho físico é tão importante para a Zoom, já que as pessoas que trabalham em casa costumam usar o Zoom para conversar com os colegas o dia inteiro?
Hashim: Porque somos seres humanos. Quando nos encontramos pessoalmente, parte do trabalho criativo, desenvolvimento de ideias e tomada de decisões fica mais fácil.
Podemos, agora, ter IA generativa tomando notas das reuniões e quadros-brancos online, mas ainda existe algo muito envolvente quando os colegas se reúnem, analisam questões presencialmente e fazem anotações.
Algum tempo presencial é estimulante e é por isso que queremos oferecer esta oportunidade para todos os nossos funcionários. É por isso que vemos os nossos clientes fazendo o mesmo.
BBC: As equipes híbridas se tornaram padrão no trabalho de conhecimento. Por que é tão difícil realizar reuniões verdadeiramente híbridas para os participantes virtuais?
Hashim: Um problema mencionado pelos clientes é a questão da equidade e a falta de equilíbrio nas reuniões entre alguém que está na sala e outra pessoa que participa de forma remota.
Nós solucionamos a questão até certo ponto, para salas de um determinado tamanho. Nós usamos IA no nosso produto Intelligent Director.
Duas ou três câmeras ficam na sala, em leve ângulo. Quando você faz isso, por meio da IA, elas conseguem segmentar a sala para que os colegas apareçam individualmente nos seus laptops em casa, em vez de ficarem amontoados em volta de uma mesa.
A dificuldade é fazer com que a IA seja suficientemente inteligente para encontrar a melhor imagem. Se alguém se sentar em um ângulo diferente, por exemplo, falando e se movendo em tempo real.
BBC: Até que ponto a Zoom quer se livrar do rótulo de trabalho remoto? Vocês querem ser mais conhecidos pelo trabalho híbrido — ou por algo diferente?
Hashim: Adoramos saber que o Zoom é conhecido por tantas pessoas, que usam nossos produtos para se conectar todo o tempo.
Mas nós observamos o futuro do Zoom, na verdade, como uma plataforma de colaboração aberta dirigida por IA, que irá modernizar a experiência do trabalho.
Nós seguimos esta direção com base no feedback dos clientes. Sempre tivemos chamadas de vídeo, infraestrutura de telefone embutida, salas de bate-papo e, agora, o Zoom AI Companion.
Nossa IA trabalha em segundo plano até para recomendar uma mesa para que os funcionários se sentem perto das suas equipes nos seus dias no escritório.
BBC: Os clientes da Zoom realmente estão adotando a IA? Ou ainda estão céticos?
Hashim: Estamos observando cada vez mais conforto e adoção entre os clientes. Mas ainda há preocupações com a segurança e a privacidade dos dados e recursos — eles costumam passar por um rigoroso processo antes de entrar no AI Companion.
E eles nos fazem perguntas complexas em relação à segurança — e é necessário.
Também assumimos corretamente a posição de nunca usar nenhum dado de conversa dos nossos clientes para treinar modelos de IA, tanto o nosso quanto os de terceiros. E oferecemos controles para que os clientes habilitem e desabilitem funções específicas, para que eles detenham o controle.
O Zoom enfrentou críticas internacionais em agosto de 2023, quando uma atualização dos seus termos de uso pareceu indicar que a empresa poderia usar dados de usuários para treinamento de IA. Uma atualização seguinte do Zoom afirmou que “em relação à IA, não usamos conteúdo de áudio, vídeo ou conversas para treinar nossos modelos sem o consentimento dos clientes”. Um porta-voz da empresa confirmou que ela nunca usou dados de conversas para treinar sua IA generativa.
BBC: Então, este é o futuro do trabalho? Ambientes de trabalho alimentados por IA?
Hashim: À medida que a IA generativa progredir, ela se tornará mais um agente para as equipes, trabalhando em seu nome, enviando mensagens como “estes pedidos de clientes chegaram à noite, agendei reuniões para você conversar sobre eles”.
As pessoas estão exaustas das constantes tarefas mundanas. A esperança é que a IA libere tempo para que os funcionários possam se dedicar a trabalhos estimulantes e envolventes. É nisso que estamos trabalhando agora.
BBC: O advento da IA gerou temores de que ela pode eliminar empregos. Você acha que o profissional do conhecimento de nível médio tem melhor colocação agora do que tinha cinco anos atrás?
Hashim: Trabalhei por muito tempo e criei uma filha. Estou feliz por ver a flexibilidade muito mais normalizada e aceita atualmente.
Ela criou mais oportunidades, especialmente para as pessoas que não podem comparecer ao escritório por questões de saúde ou responsabilidades de assistência.
Mas o trabalho, agora, também passou a ser muito agitado e barulhento, com tantas ferramentas e tarefas constantes.
Sou uma otimista da tecnologia. Minha esperança é que, quanto mais profissionais se familiarizarem com as ferramentas de IA generativa, mais elas possam ajudá-los a dedicar tempo a tarefas mais envolventes.