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Protestos e pressão internacional devem determinar futuro da Venezuela, dizem analistas

 

Após a reeleição contestada de Nicolás Maduro, especialistas consultados pela BBC News Brasil afirmam que a transparência dos resultados será essencial para determinar o futuro da Venezuela, destacando que o desenrolar da situação dependerá tanto da mobilização popular quanto da pressão internacional.

“O processo eleitoral na Venezuela tem gerado grandes dúvidas sobre sua transparência, um ponto também destacado pela comunidade internacional. Estados Unidos, Colômbia, Brasil e outros atores-chave estão aguardando as atas e a apuração dos resultados. Sem transparência, está em jogo a legitimidade do processo”, diz à BBC News Brasil Laura Dib, diretora do Programa da Venezuela na WOLA (Escritório de Washington para a América Latina), uma ONG com sede em Washington, D.C. que promove os direitos humanos nas Américas.

Laura Dib acrescenta que, sem legitimidade e transparência, Maduro pode enfrentar isolamento internacional, pressão econômica e aumento da migração, o que afetaria ainda mais a sociedade civil venezuelana.

“Isso representaria o pior cenário para a sociedade civil e exigiria uma avaliação de como o governo poderia manter a governabilidade sem legitimidade”, acrescenta.

Após um atraso de mais de seis horas na divulgação dos resultados, o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) informou que Maduro recebeu 51,21% dos votos, enquanto Edmundo González Urrutia obteve 44,2%.

No entanto, o CNE não revelou os totais de votos das 30 mil seções eleitorais, prometendo disponibilizá-los apenas nas “próximas horas”, o que dificultou a verificação e gerou dúvidas sobre a transparência do processo.

A oposição, por sua vez, alega que obteve as atas de votação que comprovam a vitória de González.

No entanto, o CNE não revelou os totais de votos das 30 mil seções eleitorais, prometendo disponibilizá-los apenas nas “próximas horas”, o que dificultou a verificação e gerou dúvidas sobre a transparência do processo.

A oposição, por sua vez, alega que obteve as atas de votação que comprovam a vitória de González.

Na cerimônia em que foi oficialmente proclamado como presidente eleito, Maduro acusou os opositores e a “extrema direita” no exterior de tentarem desestabilizar o país.

“Não é a primeira vez que enfrentamos o que enfrentamos hoje. Está sendo feita uma tentativa de impor um golpe de Estado na Venezuela, novamente. De natureza fascista e contrarrevolucionária”, disse Maduro, apontando que estariam em curso, segundo ele, os “primeiros passos” para desestabilizar o país.

“Os mesmos países que hoje questionam o processo eleitoral venezuelano, a mesma extrema direita fascista… foram os que quiseram tentar impor ao povo da Venezuela, acima da Constituição, um presidente espúrio, usando as instituições do país”, disse ele, em alusão à autoproclamação como presidente interino do deputado Juan Guaidó, em 2019.

Para Phil Gunson, analista sênior da consultoria Crisis Group, baseado em Caracas, a única maneira de resolver o impasse seria “com números detalhados, urna por urna”, o que “neste ponto, parece muito improvável”.

“Pelas reações de muitos governos, tanto na região quanto em outras partes do mundo, a versão apresentada pelo governo Maduro não conseguiu convencer. Ainda é muito cedo para fazer uma previsão clara, mas me parece que Maduro será significativamente enfraquecido por isso, não apenas internacionalmente, mas também dentro das fileiras do chavismo”, acrescenta ele à BBC News Brasil.

Mark Feierstein, ex-diretor sênior para Assuntos do Hemisfério Ocidental no Conselho de Segurança Nacional dos EUA, também ressalta “as condenações e questionamentos” sobre a votação no cenário internacional e acrescenta que “o aspecto crucial é se veremos protestos nos próximos dias”.

Ryan Berg, diretor do Programa das Américas do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, concorda.

“Agora o regime terá que decidir até onde vai reprimir os protestos inevitáveis. Isto é apenas o começo. Estas eleições não resolvem o desafio da ilegitimidade de Maduro. A natureza fraudulenta e a falta de registros auditáveis são indicativos. María Corina Machado sempre disse que esta luta é ‘hasta el final’.”

Na noite de segunda-feira (29/7), a capital Caracas foi palco de protestos convocados pela oposição. Milhares de pessoas se dirigiram ao centro, algumas caminhando quilômetros desde as favelas nas montanhas ao redor da cidade, em direção ao palácio presidencial. Houve confrontos entre manifestantes e forças de segurança, que utilizaram gás lacrimogêneo e balas de borracha.

Reação internacional

Edmundo González e Maria Corina Machado, da oposição na Venezuela, fazem declaração pública conjunta após os resultados das eleições presidenciais

Crédito,EPA

Legenda da foto,Oposição venezuela reinvidicou vitória

Observadores independentes descreveram a eleição como a mais arbitrária dos últimos anos, mesmo pelos padrões do regime autoritário iniciado por Hugo Chávez, mentor e antecessor de Maduro.

O candidato da oposição, Edmundo González, afirmou em suas primeiras declarações: “Os venezuelanos e o mundo inteiro sabem o que aconteceu.”

María Corina Machado, líder da oposição, disse que a margem de vitória de González foi “arrasadora”, com base nas apurações recebidas de representantes de campanha em cerca de 40% das urnas em todo o país.

“Ganhamos em todos os Estados do país e sabemos o que aconteceu hoje. Cem por cento das atas que o CNE transmitiu nós temos e toda essa informação aponta que Edmundo obteve 70% dos votos”, disse Machado a jornalistas.

Quando Maduro apareceu para celebrar os resultados, ele acusou inimigos estrangeiros não identificados de tentar hackear o sistema de votação.

“Esta não é a primeira vez que tentam violar a paz da república”, disse ele a algumas centenas de apoiadores no palácio presidencial. Maduro não apresentou evidências para sustentar a acusação, mas prometeu “justiça” para aqueles que tentarem incitar violência na Venezuela.

Líderes internacionais, como o presidente chileno Gabriel Boric, expressaram preocupação com a legitimidade dos resultados.

Até a publicação desta reportagem, os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva, do Brasil, e Gustavo Petro, da Colômbia, aliados de Maduro, não haviam se manifestado diretamente sobre o resultado.

O Itamaraty afirmou que o governo brasileiro aguarda “a publicação pelo Conselho Nacional Eleitoral de dados desagregados por mesa de votação, passo indispensável para a transparência, credibilidade e legitimidade do resultado do pleito”.

A nota publicada nesta segunda-feira diz que o governo brasileiro “saúda o caráter pacífico da jornada eleitoral de ontem na Venezuela e acompanha com atenção o processo de apuração”, além de reafirmar “o princípio fundamental da soberania popular, a ser observado por meio da verificação imparcial dos resultados”.

Boric declarou no X (antigo Twitter): “O regime de Maduro deve entender que esses resultados são difíceis de acreditar. A comunidade internacional e, sobretudo, o povo venezuelano, incluindo os milhões de venezuelanos no exílio, exigimos total transparência das atas do processo e que observadores internacionais não comprometidos com o governo atestem a veracidade dos resultados.”

O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, compartilhou a preocupação de Boric, afirmando que seu país tem “sérias preocupações” com o resultado anunciado.

“É fundamental que todos os votos sejam contados de forma justa e transparente, que as autoridades eleitorais compartilhem imediatamente informações com a oposição e observadores independentes. A comunidade internacional está observando isso de perto e responderá de acordo”, disse Blinken.

Josep Borrell, chefe de política externa da União Europeia, afirmou: “O povo da Venezuela votou sobre o futuro de seu país de forma pacífica e em grandes números. A sua vontade deve ser respeitada. Garantir transparência completa no processo eleitoral, incluindo na contagem de votos e acesso aos registros de voto nas zonas de votação, é vital.”

Em nota divulgada antes dos resultados, o assessor para Assuntos Internacionais do Palácio do Planalto, ex-chanceler Celso Amorim, disse esperar que o resultado das eleições na Venezuela seja respeitado por “todos os candidatos”.

Amorim também informou que o presidente Lula estava sendo atualizado sobre a votação.

“Estou em contato com diferentes forças políticas e analistas eleitorais, além de membros da equipe de observadores do Centro Carter e do Painel de Especialistas da ONU. O presidente Lula vem sendo informado ao longo do dia. Vamos aguardar os resultados finais e esperamos que sejam respeitados por todos os candidatos.”

Amorim, que está na Venezuela como observador das eleições, destacou a participação expressiva do eleitorado e afirmou que o processo de votação havia sido “tranquilo e sem incidentes significativos”. “É motivo de satisfação que a jornada tenha transcorrido com tranquilidade, sem incidentes de monta.”

Mas aliados parabenizaram Maduro pela vitória nas redes sociais.

Luis Alberto Arce, presidente da Bolívia, celebrou a “festa democrática” e o respeito à “vontade do povo nas urnas”.

Xiomara Castro de Zelaya, presidente de Honduras, ressaltou a reafirmação da “soberania” e do “legado histórico do Comandante Chávez”.

Miguel Díaz-Canel, presidente de Cuba, destacou a derrota da oposição “pró-imperialismo” e da “direita regional, intervencionista e monroísta (relativo à doutrina Monroe, que prega ação americana na América Latina).” Segundo ele, “a dignidade e a coragem do povo venezuelano triunfaram sobre pressões e manipulações”.

Já o presidente Vladimir Putin, da Rússia, destacou a importância da “parceria estratégica” entre os dois países e acrescentou que Maduro sempre será “um convidado bem-vindo em solo russo.”

‘Busca por solução diplomática’

Feierstein avalia o fato de as presidências de Brasil e Colômbia ainda não terem se manifestado publicamente até agora como um sinal de “que estão buscando uma solução diplomática”.

Horas após o resultado, ele diz que é “cedo demais” para fazer previsões e que ainda há “um longo caminho a percorrer”.

Feierstein, que questiona o resultado anunciado, diz que “teria sido melhor para Maduro negociar uma transição e obter as garantias que acha necessárias”.

Ele prevê que o regime enfrentará uma pressão “maior do que antes” e que Maduro está “mais isolado do que nunca”.

“Há uma rejeição maior ao regime dentro da Venezuela do que nunca antes. E a fraude flagrante e a recusa em aceitar o resultado expuseram o regime. Não há nenhum governo que possa seriamente argumentar que Maduro é legítimo. Portanto, acredito que o regime estará mais isolado do que nunca.”

Na opinião do especialista, o caminho que Maduro está seguindo é provavelmente mais perigoso, pois “não há como prever como isso vai terminar”.

Ele acrescenta que agora a atenção está voltada para saber se será necessário fazer algum esforço para “alcançar uma solução diplomática que reflita a vontade do povo.”

bbcnews.com

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