A atual vice-presidente dos Estados Unidos, Kamala Harris, recebeu o apoio do presidente Joe Biden — que anunciou neste domingo (21/7) sua desistência de tentar a reeleição — para substituí-lo na disputa contra Donald Trump.
Em uma postagem nas redes sociais, Biden declarou seu “total apoio e endosso para que Kamala seja a candidata de nosso partido este ano” e acrescentou: “Democratas — é hora de nos unirmos e derrotar Trump. Vamos fazer isso.”
Harris respondeu dizendo que fará “tudo ao meu alcance para unir o Partido Democrata – e unir nossa nação – para derrotar Donald Trump e sua agenda extrema”.
“Temos 107 dias até o dia da eleição. Juntos, lutaremos. E juntos, venceremos”, escreveu a vice-presidente num comunicado.]
Harris ainda descreveu a decisão de Biden como um “ato altruísta e patriótico” e diz que está “honrada” por ter o endosso do presidente.
A decisão de Biden altera a dinâmica da corrida pela Casa Branca. Embora o atual presidente tenha apoiado Kamala Harris, ela ainda precisará ser formalmente escolhida como candidata durante a convenção do Partido Democrata, que ocorrerá de 19 a 22 de agosto.
Mas quem é Kamala Harris, a vice-presidente dos Estados Unidos agora escolhida por Biden para sucedê-lo na corrida presidencial?
Filha de imigrantes (mãe indiana, pai jamaicano), Kamala Harris, de 59 anos, foi a primeira mulher a ocupar o cargo de vice-presidente dos Estados Unidos.
Agora, ela pode ser a escolha do Partido Democrata para evitar que o republicano conquiste a presidência novamente, em um momento desafiador para o partido, com Trump liderando as pesquisas de intenção de voto.
A própria Kamala Harris enfrenta problemas de popularidade, mesmo com a visibilidade do cargo que ocupa.
Segundo um compilado de pesquisas do FiveThirtyEight, 51% dos americanos desaprovam Harris, enquanto 37% a aprovam.
Por outro lado, apoiadores da vice-presidente citam uma pesquisa recente da emissora americana CNN sugerindo que ela se sairia melhor do que Biden na disputa contra Trump nas eleições de novembro.
Em uma disputa direta, Harris aparece apenas dois pontos atrás do republicano, enquanto Biden ficaria seis pontos atrás.
A pesquisa, feita antes do atentado contra Trump, também sugeriu que Harris teria um desempenho melhor do que Biden entre eleitores independentes e mulheres.
Harris já provou ser uma aliada leal de Biden e defendeu seu desempenho no primeiro debate da campanha, quando o presidente foi duramente criticado por seu desempenho.
Após o evento, ela admitiu que Biden teve um “início lento”, mas disse que ele forneceu respostas mais completas do que Trump.
Dias depois do debate, à medida que crescia a preocupação sobre a capacidade de Biden de permanecer na disputa, Harris reiterou seu apoio.
“Olha, Joe Biden é o nosso indicado. Vencemos Trump uma vez e vamos vencê-lo novamente, ponto final”, disse ela. “Tenho orgulho de ser companheira de chapa de Joe Biden.”
Harris cursou a tradicional universidade Howard, onde estudou Direito. Ela iniciou sua carreira na promotoria do condado de Alameda, na Califórnia.
Tornou-se promotora-chefe em San Francisco em 2003, antes de ser eleita a primeira mulher negra procuradora-geral da Califórnia. No cargo, ganhou reputação como estrela ascendente do Partido Democrata, até ser eleita ao Senado americano.
No Legislativo, Harris se destacou por seus ásperos questionamentos a dois indicados por Trump — Brett Kavanaugh, então nomeado à Suprema Corte, e William Barr, nomeado ao cargo equivalente a ministro da Justiça.
Quando ela anunciou sua pré-candidatura à presidência, em 2020, houve entusiasmo entre os progressistas.
Mas logo ela começou a ser criticada por não trazer respostas claras a problemas amplos e cruciais, como saúde. Acabou perdendo a candidatura principal para Biden, de quem se tornou vice.
Harris tentou caminhar sobre a tênue linha que separa moderados e progressistas no Partido Democrata, mas acabou não fidelizando nenhum desses públicos.
Apesar de ter tido baixos índices de aprovação durante seu mandato como vice-presidente, apoiadores de Harris apontam para a sua defesa dos direitos reprodutivos, o apelo entre os eleitores negros e seu passado como promotora que concorre contra Trump, que já foi condenado pela Justiça.
“Acredito que ela tem sido fundamental na abordagem de questões-chave, como o direito de voto e a reforma da imigração”, diz Nadia Brown, diretora do Programa de Estudos sobre Mulheres e Gênero da Universidade de Georgetown.
Questões reprodutivas
Durante seu tempo como vice-presidente, Kamala Harris se concentrou em várias iniciativas importantes e desempenhou um papel central em algumas das conquistas mais elogiadas do governo Biden.
Ela liderou a campanha “Luta pelas Liberdades Reprodutivas”, defendendo o direito das mulheres de tomarem decisões sobre seus próprios corpos.
Harris destacou os danos causados pela proibição do aborto e pediu ao Congresso a restauração das proteções do caso Roe v. Wade, que garantiam o direito ao aborto nos EUA até serem anuladas pela Suprema Corte em 2022.
Harris também estabeleceu um recorde ao dar o maior número de votos de desempate por um vice-presidente na história do Senado, um dos poderes do cargo.
Seu voto foi crucial para a aprovação da Lei de Redução da Inflação e do Plano de Resgate Americano, que forneceu financiamento emergencial para enfrentar a pandemia de covid-19, incluindo pagamentos de auxílio.
Além disso, seu voto de desempate confirmou o juiz Ketanji Brown Jackson para a Suprema Corte.
No entanto, Harris enfrentou desafios em construir sua imagem pública, recebendo críticas de diferentes frentes.
Apesar de suas posições progressistas em questões como casamento gay e pena de morte, alguns eleitores democratas a consideraram “não suficientemente progressista”.
Ela também enfrentou críticas durante a campanha de 2020 por seu histórico como promotora.
Além disso, Biden designou Harris para liderar os esforços relacionados à imigração durante um recorde de entrada de imigrantes pela fronteira com o México.
O governo Biden foi acusado de não avançar significativamente na questão da imigração, e Harris foi criticada por levar seis meses para planejar uma visita à fronteira após assumir o cargo.
No entanto, com o aumento das especulações sobre a capacidade de Biden de vencer as eleições em novembro, Harris encontrou recentemente uma base renovada de apoio.
Identidades
Kamala Harris, nascida em Oakland, Califórnia, é filha de pais imigrantes: sua mãe nasceu na Índia e seu pai na Jamaica. Após o divórcio dos pais, quando Harris tinha cinco anos, ela foi criada principalmente por sua mãe, Shyamala Gopalan Harris, pesquisadora de câncer e ativista dos direitos civis.
Desde cedo, Kamala foi influenciada pela cultura indiana através das visitas à Índia com sua mãe, mas também pela cultura negra de Oakland, na qual sua mãe a inseriu junto com sua irmã, Maya.
Em sua autobiografia The Truths We Hold, Harris escreveu: “Minha mãe entendeu muito bem que ela estava criando duas filhas negras. Ela sabia que sua terra adotiva veria Maya e eu como meninas negras e estava determinada a garantir que nos tornaríamos mulheres negras confiantes e orgulhosas.”
Essa experiência multicultural permitiu a Kamala Harris conectar-se com diversas identidades americanas, servindo como símbolo para regiões com rápidas mudanças demográficas.
Sua formação na Howard University, uma instituição historicamente negra, é uma das experiências mais significativas da sua vida.
Lita Rosario-Richardson, amiga de Harris na Howard University, recorda: “Percebi que ela tinha um aguçado senso de argumentação.”
Richardson explica que se tornaram amigas devido ao interesse compartilhado em debates acalorados sobre política e questões raciais, além da experiência de crescer com mães solo.
“Sabemos que, sendo descendentes de pessoas escravizadas e de pessoas negras que saíram da colonização, temos um papel especial e ter uma educação nos dá uma posição especial na sociedade para ajudar a efetuar mudanças”, acrescenta.
Harris também enfrentou a experiência de viver em comunidades predominantemente brancas, incluindo um breve período no Canadá, quando sua mãe lecionou na Universidade McGill em Montreal.
Harris frequentou a escola lá por cinco anos e sempre se sentiu confortável com sua identidade, afirmando ao Washington Post em 2019: “Meu ponto era: eu sou quem sou. Estou bem com isso.”
Em 2014, já senadora, Kamala Harris casou-se com o advogado Doug Emhoff e se tornou madrasta de seus dois filhos.
Em um artigo para a Elle em 2019, ela revelou que preferiu o termo ‘momala’ em vez de madrasta, afirmando: “Quando Doug e eu nos casamos, Cole, Ella (os enteados) e eu concordamos que não gostávamos do termo madrasta. Em vez disso, eles criaram o nome ‘momala’.”
A mídia frequentemente retrata Kamala Harris como o exemplo de uma família americana moderna e diversificada.
Nadia Brown, professora associada de ciência política e estudos afro-americanos na Universidade Purdue, destaca: “Ela é herdeira de um legado de ativistas, autoridades eleitas e candidatas malsucedidas que abriram este caminho para a Casa Branca. As mulheres negras são vistas como uma força da natureza na política democrática e no Partido Democrata.”