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Ministro Barroso usa até o Kama Sutra para pregar a simplificação da linguagem jurídica

Até alguns advogados já se cansaram do “juridiquês”. Se não bastassem os termos complicados, há um exagero no uso da terminologia jurídica que torna quase incompreensível para os leigos a linguagem desses profissionais do Direito. Gente graúda desse meio tem criticado esses excessos. Durante a aula magna que ministrou no início do mês aos alunos da PUC (Pontifícia Universidade Católica) de São Paulo, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, deu uma espécie de puxão de orelhas nos estudantes e pregou um pacto para a simplificação da linguagem jurídica.


Terminologia esquisita
Com discurso bem-humorado, recheado de leves pitadas de ironia, conclamou aqueles que estão se iniciando no ramo do Direito para que se afastem do “juridiquês”. Segundo ele, o Direito já possui uma terminologia às vezes esquisita, não há necessidade de complicar ainda mais: “Para o pessoal do Direito. Nós estamos lançando um pacto da linguagem simples, que é parar com esse negócio de achar que quem fala complicado é inteligente. Geralmente quem fala complicado não sabe do que está falando. Nós já temos problemas graves no Direito, que é uma terminologia por vezes muito esquisita. Nós somos capazes de dizer coisas do tipo: ‘no aforamento, havendo pluralidade enfiteutas elege-se um cabecel’. É feio demais. Nós já temos ‘embargos infringentes’, ‘mútuo feneratício’. Perdoem-me, mas parece uma posição de Kama Sutra – ‘mútuo feneratício’! Portanto, não é preciso chamar ‘recurso extraordinário’ de ‘irresignação derradeira’, ou ‘habeas corpus’ de ‘remédio heroico’. Ou o ‘STF’ de ‘Pretório Excelso’. Nem dizer que alguma coisa é de ‘cediça na sabença’. Não é preciso piorar. Se quiser usar o latim, até pode, mas hoje em dia já está um pouco em desuso. É claro que existe um limite para tudo na vida”.

Tem razão o ministro. Assim que um aluno se apresenta pela primeira vez em nosso curso de oratória, antes de dizer qual é a sua formação acadêmica, é fácil deduzir pelo seu linguajar que cursou a faculdade de Direito. E quanto mais formal é a situação, mais rebuscado se torna o seu palavreado. Na obra “Como julgar, como defender, como acusar”, Roberto Lyra, um dos mais importantes nomes da história da promotoria brasileira, critica esse comportamento artificial de alguns advogados: “Em audiências e sessões da Justiça sofro o automatismo, o esvaziamento, a despersonalização, sobretudo de jovens defensores e acusadores. Muitos deles conversam e escrevem com vivacidade crítica e criadora, mas, quando têm a palavra, superestimam o aplomb, a mímica, o ritmo domesticado. Muitos voltam ao museu ‘clássico’, pigarreando para limpar a garganta, espigando o corpo, ajustando a gravata, esticando o paletó. Não se transportam à tribuna como são, como estavam ao natural’.

A regra e a exceção
Especialmente nas entrevistas e palestras para público leigo, não familiarizado com os termos do Direito, o vocabulário deve ser simplificado. Há exceções. Nas situações em que a palavra seja específica do Direito, o termo constitui conceito determinado. Se outro vocábulo for utilizado, poderá ocorrer distorção no sentido da mensagem. Por exemplo, como ensina Plácido e Silva, na obra “Vocabulário jurídico forense”: “Em relação aos prazos, dilatação, prorrogação e renovação, aparentemente análogos no conceito vulgar, exprimem no sentido jurídico conceitos próprios, que não se identificam nem se confundem, como ocorre na linguagem vulgar.” Os alunos que assistiram à aula do ministro Barroso, se assimilaram a essência da sua mensagem, terão aprendido um dos mais importantes ensinamentos para o desempenho de sua profissão. Dentro dos limites que o próprio palestrante destacou, há uma regra simples que pode ser seguida.

Ambientes adequados
Mesmo tendo de simplificar a linguagem para que o vocabulário se afaste do “juridiquês” criticável, de forma geral, diante de um grupo de advogados, o uso de termos jurídicos pode facilitar a comunicação e projetar uma imagem profissional positiva. Diante de pessoas leigas, não habituadas a esse palavreado, entretanto, lançar mão de ‘jurisprudência firmada’, ‘direito consuetudinário’, ‘súmula vinculante’, poderá prejudicar o entendimento dos ouvintes e até tirar o interesse pela apresentação. Essa é uma bandeira que o ministro Barroso tem levantado até com seus pares na Alta Magistratura. Quase sempre trata do tema com boas pitadas de humor, ironia e, quando a circunstância permite, até com certo deboche. É um recurso de comunicação muito útil, pois além de conquistar e manter a atenção das pessoas faz com que guardem a mensagem por tempo mais prolongado. Ou será que os alunos da PUC algum dia se esquecerão de ter ouvido da boca de um ministro a comparação de expressão jurídica com a posição do Kama Sutra?!

Fonte: Jovem Pan.

Imagem: Carlos Moura/SCO/STF.

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